Título: Tratamos todos com deferência
Autor: Carvalho, Jailton de; Otávio, Chico
Fonte: O Globo, 08/03/2008, O País, p. 3

NA FRONTEIRA DA DIPLOMACIA

Lula diz que exige reciprocidade, e governo começa a retaliar Espanha

Aexpulsão de sete espanhóis no Aeroporto de Salvador, anteontem, foi uma retaliação do governo à decisão de autoridades espanholas de deportar 30 brasileiros retidos no Aeroporto de Barajas, em Madri. A relação entre o tratamento dado aos espanhóis no Brasil e o que os brasileiros receberam na Espanha foi confirmada por integrantes do governo, ontem, no Itamaraty e no Palácio do Planalto. À noite, o Ministério das Relações Exteriores confirmou que, se a Espanha e outros países da União Européia não mudarem o tratamento dado aos viajantes brasileiros, o governo também adotará as rigorosas regras de Schengen para aceitar a entrada de europeus no Brasil, usando o princípio da reciprocidade.

Nas regras de Schengen estão os critérios, alguns subjetivos, usados pelas autoridades espanholas para expulsar brasileiros. O endurecimento do discurso contra o governo espanhol foi determinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O presidente teria considerado deplorável o tratamento dispensado a brasileiros em aeroportos da Espanha nos últimos meses, mesmo depois de reiteradas reclamações do Itamaraty.

À noite, no Rio, Lula reclamou da atitude da imigração espanhola. Cobrou do governo espanhol reciprocidade de tratamento, lembrando que, no passado, o Brasil recebeu de braços abertos os pobres espanhóis. Lula vinculou a crise com os espanhóis às eleições naquele país e disse que, se dependesse dos partidos conservadores, a Europa seria fechada aos pobres. O presidente socialista José Luis Rodríguez Zapatero concorre, na Espanha, com o conservador Mariano Rajoy, do Partido Popular (PP).

- A questão eleitoral na Espanha pode ter aguçado o tema. Essa eleição termina domingo, e espero que, na próxima semana, já tenha contato com quem for eleito presidente da Espanha para conversar, porque não é possível que a gente tenha brasileiros sendo proibidos de entrar na Espanha.

Lula reiterou que cobrará reciprocidade do futuro presidente espanhol:

- A única coisa que peço é que todos os países do mundo tratem os brasileiros em seus países como nós os tratamos aqui. Tratamos portugueses, espanhóis, japoneses e quem mais você possa imaginar com muita deferência. Os brasileiros estão de braços abertos para ser carinhosos.

Pelas normas de Schengen, estrangeiros só podem entrar em países da União Européia ao apresentar passaporte com no mínimo seis meses de validade, passagem de ida e volta, comprovante de pagamento de hotel ou outro local de hospedagem, o equivalente a 60 euros por dia de permanência prevista ou cartão de crédito internacional. Exige-se ainda seguro médico internacional com cobertura de pelo menos 30 mil euros.

- No plano diplomático, já usamos todas as armas disponíveis. Mas ainda temos uma: são as normas de Schengen. É o princípio da reciprocidade - advertiu o subsecretário-geral de Comunidades Brasileiras no Exterior, Otto Agripino Maia.

São esses requisitos que o governo passaria a exigir de europeus, principalmente espanhóis. Hoje, o ingresso em território brasileiro está condicionado à apresentação de passaporte, quantia equivalente a US$50 por dia de permanência e a mera indicação do local de hospedagem. Em geral, as autoridades só conferem o passaporte. Diante do impasse, Agripino Maia se reuniu com o diretor-geral da Polícia Federal, Luiz Fernando Corrêa, e acertou os detalhes para impor rigor à entrada de espanhóis no Brasil.

- Vamos esperar o tempo necessário para que observemos mudanças na atitude espanhola. Esperamos que seja em tempo curto - avisou.

Perguntado se a expulsão dos oito espanhóis em Salvador era o começo da retaliação, Maia disse que não. Mas acrescentou que foi uma "boa coincidência". Maia reclamou do desprezo e da crueldade de autoridades espanholas contra brasileiros. Segundo ele, muitas vezes os viajantes ficam detidos por até três dias em locais fechados, apertados, sem alimentação:

- Isso é inaceitável. Viola princípios humanitários.

Em Salvador, o delegado André Costa de Mello, chefe da Delegacia de Imigração da PF na Bahia, disse que não recebeu ordem para retaliar visitantes de origem espanhola. Mello também classificou de coincidência o fato de sete turistas espanhóis terem sido barrados no auge da crise:

- Está havendo este burburinho todo na mídia, mas a repatriação acontece regularmente em nosso aeroporto. Em média, seis turistas são repatriados todo mês, a grande maioria europeus, principalmente da Espanha, Portugal, Alemanha e Itália. Não cabe à PF tomar medidas contra o governo espanhol. Se houver retaliação, isso parte do Itamaraty. Mas não houve qualquer comando neste sentido.

Os espanhóis - quatro homens e três mulheres - foram impedidos de entrar no Brasil porque não preenchiam os requisitos do Estatuto do Estrangeiro (lei 6.815/80).

- Seis deles não tinham como se manter aqui. Um sequer tinha dinheiro, outro apresentou um cartão de crédito internacional vencido e os demais, na média, possuíam apenas US$100 por pessoa. Entre eles, havia um com prazo de permanência no Brasil, que é de seis meses, já vencido - relatou o delegado.

O cônsul espanhol em Salvador, Antonio Polidura, enviou ontem à Polícia Aeroportuária da PF um pedido de explicações para a repatriação dos sete espanhóis. O delegado Francisco Gonçalves, chefe da Polícia Aeroportuária, confirmou ter recebido a solicitação, mas disse que os motivos para barrar o desembarque dos espanhóis já haviam sido explicados na noite anterior, pela Agência Nacional da Aviação Civil (Anac).

No Rio, o presidente de Portugal, Cavaco Silva, falou sobre o problema:

- Portugal normalmente atua junto às instâncias comunitárias, onde estão Espanha, Portugal e outros Estados. Essa matéria é, normalmente, colocada no plano das relações dos 27 países. A Espanha tem alguns problemas de imigração. Mas não são de cidadãos brasileiros como regra. São cidadãos magrebinos (uma região da África). Espero que esses casos aos quais você se referiu sejam casos muito pontuais.

COLABORARAM: Renato Galeno, Samuel Lima* e Rita Conrado*

* Da Agência A Tarde

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