Título: ONU aponta maior consumo de ecstasy e cocaína no país
Autor: Carvalho, Jailton de
Fonte: O Globo, 05/03/2008, O País, p. 8

Relatório critica governo brasileiro pelo tratamento diferenciado a usuários e traficantes, previsto em nova lei.

BRASÍLIA. Relatório divulgado ontem pela Junta Internacional de Fiscalização de Entorpecentes (Jife), órgão ligado à ONU, informa que está aumentando no Brasil o tráfico e o consumo de drogas como ecstasy e cocaína. O documento, que teve lançamento mundial em Viena, faz duras críticas ao governo brasileiro pelo tratamento diferenciado entre usuários e traficantes na nova lei sobre drogas do país. Os representantes da ONU afirmam ainda que a corrupção em setores das polícias e do Judiciário prejudica a punição de narcotraficantes em território brasileiro.

O conteúdo do relatório, lido pelo representante do Escritório da ONU contra Drogas e Crime para Brasil e Cone Sul, Giovanni Quaglia, no auditório da Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), provocou imediata reação do governo brasileiro. O secretário nacional Antidrogas, general Paulo Roberto Uchôa, e o diretor de Combate ao Crime Organizado da PF, Roberto Troncon, contestaram as declarações de Quaglia e a solenidade terminou em clima de constrangimento.

O trecho que mais irritou o governo brasileiro está no parágrafo 483 do relatório. O texto ataca a nova lei sobre drogas por estabelecer tratamento diferenciado entre usuário e traficante. Pela lei, o usuário pode ser condenado à prisão, mas punição é sempre convertida em pena alternativa, como prestação de serviços. Segundo Quaglia, a condescendência com o usuário enfraquece a capacidade de investigação das polícias sobre o narcotráfico. Sem punição severa, o usuário nunca colabora com a polícia.

"A nova lei pode até prejudicar a investigação e o julgamento das atividades ilícitas relacionadas a drogas, e pode dar a entender à opinião pública que o governo está tratando o narcotráfico com mais indulgência", acusa o relatório.

Para general, punição severa a usuário é equívoco

Sentado ao lado de Quaglia, o Uchôa disse que a Jife comete um equívoco ao sugerir a volta de severas punições a usuários. Para ele, a nova lei é uma antiga aspiração da sociedade brasileira, que tem tido boa acolhida no Judiciário e na polícia.

- É muito estranho que façam considerações com juízos de valor e com afirmações como esta, que dão a entender que o governo está leniente com o narcotráfico - reagiu o general.

O delegado Roberto Troncon também disse que não vê necessidade de mudanças. Segundo ele, a nova lei é dura contra os traficantes, cria a figura do financiador do narcotráfico e não dificulta as investigações.Para o delegado, a polícia não conta com a colaboração de usuários para desmantelar grandes quadrilhas de narcotráficantes. O relatório informa ainda que está aumentando o consumo de cocaína e ecstasy no Brasil, mas não apresenta os números que dão base a esta conclusão.

Segundo Quaglia, a prova do crescimento do comércio de cocaína e ecstasy seria o aumento do volume dos dois tipos de drogas apreendidos pela Polícia Federal. Ele argumenta ainda que as polícias de países africanos também têm apreendido grande quantidade de cocaína que passa pelo Brasil a caminho da Europa. Para Uchôa e Troncon, não é correto fazer uma associação direta entre volume de drogas apreendidas e consumo ou tráfico.