Título: Famílias têm autonomia para usar Bolsa
Autor:
Fonte: O Globo, 05/03/2008, O País, p. 10

Secretária do Ministério do Desenvolvimento Social defende uso de recursos para a compra de eletrodomésticos.

BRASÍLIA e SÃO PAULO. A secretária Nacional de Renda e Cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, Rosani Cunha, admitiu ontem que famílias vêm usando recursos do Bolsa Família para comprar eletrodomésticos, mas disse que isso deveria ser comemorado. Ela se referia a artigo de Ali Kamel, publicado ontem no GLOBO, no qual o jornalista diz que beneficiados compram eletrodomésticos com recursos do programa e que, portanto, parte do dinheiro do Bolsa Família poderia ser investido em educação pública de qualidade.

Rosani disse que, se o repasse está permitindo às famílias cadastradas comprar bens de consumo, isso deveria ser elogiado:

- A família tem autonomia para usar o recurso do Bolsa Família como quiser. Pesquisas do ministério apontam que a maior parte do dinheiro é usado para comprar alimentação. Quem melhor sabe como alocar esses recursos, melhor aproveitá-los, é a própria família. É dinheiro seguro para o orçamento doméstico. Se está permitindo compra de eletrodomésticos, que bom. O país deveria aplaudir.

A secretária afirmou que o Bolsa Família foi criado com o propósito de aliviar a pobreza imediata das pessoas e que esse objetivo foi atingido. Mas o programa existe também, segundo ela, para eliminar a pobreza entre gerações e, por isso, exige o cumprimento de contrapartidas como a freqüência escolar.

Líder do PSDB: programa não dá porta de saída

O líder do PSDB na Câmara, José Aníbal (SP), concordou com o artigo de Kamel e disse que o governo Lula não cria condições para os beneficiários dos programas sociais deixarem de depender desses recursos.

- O governo Lula é absolutamente inepto e não cria portas de saída desses programas, tornando as pessoas dependentes a vida inteira. Esses programas sociais tiveram origem no governo Fernando Henrique Cardoso, mas todos os benefícios eram vinculados a certas condições. Hoje não ocorre isso - disse José Aníbal.

Já o senador Paulo Paim (PT-RS) disse que o programa está permitindo aos beneficiados ter acesso a três refeições diárias:

- Oxalá todos os beneficiados pudessem estar comprando eletrodomésticos. Isso não ocorre com todos. O programa é um instrumento de combate à fome e à miséria.

"Talvez os beneficiários estejam se endividando"

Para Ana Maria Segall Corrêa, do Departamento de Medicina Preventiva Social da Unicamp, especialista na investigação da insegurança alimentar no Brasil, as prioridades das famílias mais pobres no meio urbano são, antes da alimentação, aluguel e transporte. A alimentação também é prioritária, afirma ela, mas conta com estratégias desenvolvidas pelas famílias: ajuda de vizinhos, igrejas, renda de "bicos", etc.

- Pesquisas têm mostrado que, depois de conseguir equilibrar despesas com essas prioridades, os mais pobres migram para outros consumos que, na realidade, não são supérfluos, mas necessários também. Eles precisam, por exemplo, de comunicação (telefones, TV, computador), roupas, eletrodomésticos. Há um equívoco nas classes média e alta em pensar que esses itens ainda são supérfluos. Não são mais- disse Ana Maria Segall.

A especialista da Unicamp trabalha com a hipótese de que há realmente um aumento no consumo das classes mais pobres, que recebem o Bolsa Família.

- Não se trata apenas do aporte do Bolsa Família, mas do aumento real do salário mínimo, da queda no preço da cesta básica e do crédito com juros menores. Talvez os beneficiários estejam também se endividando, mas não vejo risco de insolvência. No Brasil, a insolvência se concentra nas classes média e alta.