Título: Brasileiros deportados reclamam de maus-tratos e discriminação
Autor: Cardilli, Juliana
Fonte: O Globo, 08/03/2008, O País, p. 4

NA FRONTEIRA DA DIPLOMACIA: "Eu me senti humilhado. Você não vale nada lá"

Viajantes dizem que policiais espanhóis os trataram como "marginais e bichos"

SÃO PAULO. Humilhação, maus-tratos e discriminação são as reclamações recorrentes entre os 11 brasileiros que desembarcaram ontem de manhã no Aeroporto Internacional de Cumbica, em Guarulhos, após terem sido barrados na Espanha. O grupo deportado chegou no início da manhã num vôo da Ibéria, juntamente com três paraguaios que também foram impedidos de entrar na Espanha por agentes da imigração.

O promotor de vendas Marcos Vinícius, de 23 anos, de Brasília, planejava passar sete dias em Paris. Ele contou que apresentou o passaporte e foi encaminhado para duas salas. Na segunda, que tinha vidro com película escura, foi vigiado por agentes e por câmeras.

- Era praticamente uma prisão - disse.

Segundo Vinícius, o grupo só recebeu alimentação dez horas depois: água, pão seco e maçã:

- Primeiro eles não falavam nada, olhavam com cara feia, como se nós fôssemos bichos. Podia acontecer o pior, fomos escoltados como ladrões.

Agora, além de superar a decepção, ele precisa resolver um problema prático: recuperar as malas, que seguiram para a França.

"Não podia sair dali, parecia um presídio", diz estudante

Bruno de Souza, estudante de 18 anos de Cuiabá, tinha como destino a cidade espanhola de La Coruña. Iria passar 30 dias com um tio, casado com uma espanhola e morador há seis anos do país. Souza sofreu o mesmo que os outros deportados, sem ter a chance de apresentar documentação extra.

- Eles eram muito ignorantes. Eu não podia nem perguntar nada em tom de voz normal que eles já falavam que a gente estava gritando - disse.

O estudante afirmou ter ficado o primeiro dia inteiro em uma sala apenas com cadeiras, junto com outras pessoas.

- Não podia sair, parecia um presídio, em todos os lugares havia policiais. Até no banheiro o policial ia junto.

Bruno, que iria fazer sua primeira viagem internacional, está se sentido péssimo:

- Eu me senti muito humilhado. Você não vale nada lá.

O estudante disse que falou com o tio enquanto estava detido. A mulher dele foi à polícia e ao consulado para tentar resolver a situação, mas não teve sucesso. Ele contou ainda que uma pessoa foi tratada com truculência enquanto esperava o vôo de volta.

- A pessoa foi comprar um café, e demorou um pouco para sair. O policiais ficaram bravos e a puxaram pelo braço.

A estudante Lucimeire de Souza Rocha, de 21 anos, viajou de Goiânia para encontrar o namorado espanhol. Grávida de cinco meses, disse que morou na Espanha por um ano, tendo voltado ao Brasil há dois meses. Ela estava indo ter o filho lá.

- Não falaram nada para a gente, fiquei sem saber o que acontecia. Foram quase 11 horas sem comida, numa salinha. Muitos passaram o tempo todo em pé até sermos deportados. Meu namorado conseguiu um advogado espanhol, mas ele não foi aceito. Aceitaram apenas o advogado que foi levado por eles, que não fazia nada. Fiquei dentro de uma salinha como se fosse um cachorro.

- Eu me senti muito mal, como se fosse uma bandida. Fomos escoltados por policiais até a hora de voltar - contou a comerciante Elisete, de 40 anos.

Elisete disse que 11 brasileiros e três paraguaios que estavam no vôo 6827 da Iberia foram impedidos de entrar no país europeu. A maioria iria para outros países, como França e Portugal. Pelo menos nove dos 11 brasileiros desceram em Guarulhos e remarcaram passagens para outras cidades.

A comerciante disse que chegou quinta-feira à Espanha, onde faria conexão e seguiria para Portugal. Lá, passaria férias na casa de amigos. Segundo ela, bastou mostrar o passaporte brasileiro para sofrer o que considera discriminação. Ao apresentar o documento, disse ter sido encaminhada a uma sala onde permaneceu retida com outros brasileiros.

- Nos mandaram para uma sala, na qual ficamos por cerca de seis horas. Depois, andamos em um ônibus por 20 minutos para outro setor na parte antiga do aeroporto. Nessa outra sala nos revistaram e tiraram nossos pertences das bolsas de mão.

Elisete afirmou não ter conseguido avisar à família sobre sua situação. Disse que na segunda sala onde ficou retida havia dois telefones públicos disponíveis para os cerca de cem detidos.

A comerciante informou que chegou ao aeroporto de Madri, num vôo da TAM, às 6h de quinta. Seu vôo para o Porto seria às 7h45m. Apesar das passagens de ida e volta compradas, foi proibida de seguir viagem.

- Estou desde quinta-feira, quando embarquei em São Paulo, com a roupa do corpo. Chegamos lá ficamos presos. Fomos muito mal tratados, humilhados, tratados como bichos mesmo. Ficamos seis horas numa sala sem água, sem saber qual o motivo estávamos lá.

Elisete diz que estava num grupo com cerca de 20 pessoas barradas na Espanha.

- Fomos revistados, tomaram nossos pertences, tudo. Tiraram, mexeram nas nossas coisas e colocaram num saco. Fomos revistados no corpo, como se fossemos bandido.

* Do G1, com Globo Online