Título: Perspectivas inquietantes
Autor: Batista Jr., Paulo Nogueira
Fonte: O Globo, 08/03/2008, Opinião, p. 7
Só acredito nos obsessivos. O senador Eduardo Suplicy, um dos maiores, talvez o maior obsessivo que conheço, prefere ser considerado "persistente". Mas a verdade é que persistência não basta. Só as idéias fixas, verdadeiramente fixas, conseguem vencer a imensa força da inércia que pesa sobre a vida das pessoas, das instituições e dos países.
Bem, uma das minhas maiores obsessões é a vulnerabilidade da economia brasileira. Essa vulnerabilidade foi um pesadelo para o país. Nas décadas de 1970, 1980 e 1990, a fragilidade das nossas contas internacionais prejudicou gravemente o crescimento e a estabilidade da economia e solapou a autonomia nacional.
Nos anos recentes, contudo, a nossa posição externa se fortaleceu substancialmente. O desempenho da economia melhorou. Graças a isso, o Brasil vem resistindo bem, até agora, à crise nos mercados financeiros dos Estados Unidos e da Europa. Pude dar um merecido descanso à minha obsessão.
Não por muito tempo, infelizmente. A persistente valorização real abre perspectivas inquietantes.
As importações estão crescendo muito rapidamente, estimuladas não apenas pelo câmbio mas pela vigorosa ampliação da demanda interna. O superávit da balança comercial começou a cair de maneira muito expressiva. As despesas no exterior com turismo e outros serviços vêm aumentando com grande velocidade. As remessas de lucros e dividendos estão alcançando níveis recordes.
Nos dois primeiros meses do ano, as exportações tiveram bom desempenho, registrando expansão de 21% em relação a igual período de 2007. Mas, como as importações aumentaram nada menos que 51%, o superávit comercial caiu de US$5,4 bilhões no primeiro bimestre de 2007 para US$1,8 bilhão no primeiro bimestre deste ano, uma redução de 67%.
O Banco Central prevê uma queda do superávit comercial de US$40 bilhões em 2007 para US$30 bilhões em 2008. O resultado em conta corrente (que inclui a balança comercial, serviços, rendas e transferência unilaterais) será, segundo o Banco Central, negativo em US$3,5 bilhões, o primeiro déficit desde 2002.
A queda no superávit comercial talvez venha a ser maior do que espera o Banco Central. Uma extrapolação simples das taxas de crescimento das exportações e importações do primeiro bimestre para o ano calendário como um todo levaria a um superávit de apenas US$11,8 bilhões. No entanto, dois meses é um período curto demais para tomar como base.
Consideremos um período mais longo. Nos doze meses acumulados até fevereiro de 2008, as exportações foram 17% maiores do que nos doze meses imediatamente anteriores. Na mesma base de comparação, as importações registraram crescimento de 35%. Extrapolando essas taxas para o ano como um todo, o superávit comercial cairia para US$24 bilhões. Admitindo-se que o resto da conta corrente se comporte como prevê o Banco Central, o déficit em conta corrente iria para US$9,5 bilhões.
Sinal amarelo - sobretudo quando se considera o panorama financeiro internacional, mais sombrio do que geralmente se pensa.
Não há motivos para alarme no curto prazo. As nossas reservas internacionais chegaram a US$193 bilhões. Os influxos de investimento direto estrangeiro, um tipo mais estável de capital, têm sido substanciais.
Mas a tendência é inquietante - mais do que suficiente para reacender velhas obsessões.
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR. é economista e diretor-executivo pelo Brasil e mais oito países no Fundo Monetário Internacional. E-mail: pnbjr@attglobal.net.