Título: Dom Lula e a Cidade Maravilhosa
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Fonte: O Globo, 08/03/2008, Rio, p. 18
Duzentos anos após chegada de D. João, presidente diz que PAC vai redimir os cariocas
Exatamente 200 anos depois de Dom João chegar com a corte portuguesa ao Rio de Janeiro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva desembarcou ontem nas três favelas que serão beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), com a promessa de que a cidade voltará a ostentar o título de Maravilhosa. Durante a visita, que dá início oficial às obras, o presidente defendeu a necessidade de se combater a cultura da violência. Lula disse que "é preciso acabar com a imagem de que tudo é bandido e não presta", ao discursar para moradores do Complexo do Alemão, de Manguinhos e da Rocinha que acompanharam sua visita.
- Eu quero que a imprensa brasileira e a imprensa do Rio um dia publiquem uma manchete: ainda há esperança de o Rio de Janeiro voltar a ser, de fato e de direito, a Cidade Maravilhosa, com a paz que todos nós almejamos - afirmou Lula, no Complexo do Alemão.
Assim como o príncipe regente de Portugal abriu os portos, o presidente, depois de anos de jejum, está abrindo os cofres para o estado. As obras do PAC nas três comunidades vão receber um investimento de R$1,14 bilhão, sendo R$838,4 milhões do governo federal. A expectativa é de que cerca de 68 mil famílias sejam beneficiadas.
No Complexo do Alemão, Lula foi recebido como rei. Sua chegada foi embalada pela bateria da Imperatriz Leopoldinense, mais importante escola de samba da região, que traz a majestade no nome. Os ritmistas homenagearam o presidente tocando "Liberdade, Liberdade! Abra as asas sobre nós", de 89, um dos sambas mais populares do carnaval. Mas a pompa não chegou a empolgar os cerca de sete mil moradores que prestigiaram o evento, segundo cálculos da PM. Com uma faixa da verde-e-branca, que tem como símbolo uma coroa, ao fundo, Lula começou falando que os bandidos não podem ser enfrentados com flores. Mas, ao mesmo tempo, lembrou a importância de se combater o preconceito contra os moradores de favelas.
- Nós sabemos que o cidadão que já é bandido não tem que ser tratado com pétalas de rosas. Mas a polícia, para entrar aqui, precisa saber que, antes do bandido, tem mulheres, homens e crianças que querem viver condignamente - afirmou o presidente, ao lado de Sérgio Cabral, acrescentando que, por isto, o governador estará hoje com o ministro da Justiça, Tarso Genro, assinando um programa de treinamento da polícia do Rio.
Lula: "99 por cento são honestos"
Ao reafirmar sua convicção de que as obras do PAC vão transformar a realidade do estado, Lula disse, ainda no Alemão, que é preciso saber distinguir as coisas boas das ruins que existem nas favelas.
- Não é porque você encontra um grão de feijão estragado que vai jogar o prato de comida fora. Aqueles que efetivamente não prestam para viver com a gente, a gente faz como faz com a laranja podre. Vai tirando ela do pé, mas vai fortalecendo e adubando as outras que estão boas - disse.
Dirigindo-se a Cabral, Lula afirmou ainda que estava cansado de ver o Rio todos os dias nas páginas de jornais e na TV por causa da violência:
- É como se o Rio simbolizasse violência, como se o Rio simbolizasse bala perdida, como se o Rio simbolizasse bandido e criminalidade, quando 99% são honestos, decentes, trabalhadores.
Do Alemão, Lula seguiu para a favela de Manguinhos, onde o público foi abaixo do esperado, pouco mais de 500 pessoas contra as dez mil que eram aguardadas. Apesar disso, houve mais entusiasmo. Desde cedo, os moradores já marcavam os seus lugares perto do palco. Alguns levaram máquinas e celulares para fotografar o presidente.
Vestida com uma camisa vermelha, a aposentada Joana Duarte, de 90 anos, se juntou ao coro que gritava. "Lula, cadê você? Eu vim aqui só pra te ver". Joana explicou por que caminhou com bengala durante uma hora para encontrar o presidente:
- Gosto muito do Lula. Quero que ele resolva o problema da minha casa que pegou fogo e nunca mais pude ter outra.
Cerca de 500 pessoas acompanharam o lançamento das obras do PAC na Rocinha. Crianças, num gesto para simbolizar a paz, soltaram pombas. Lula prometeu que as obras do PAC não serão como as de "igreja católica que não terminam nunca":
- Na verdade, essa é uma obra que eu quero, antes de deixar a Presidência da República, em 2010, vir aqui inaugurar, juntamente com o companheiro Sérgio Cabral.
O presidente mostrou-se especialmente preocupado com o crescimento da tuberculose na Rocinha em decorrência das péssimas condições de vida e da falta de infra-estrutura do lugar.
- Nesta região, tem muita gente que fica doente, por causa das ruas estreitas, da umidade e da falta de ventilação. Nós precisamos fazer uma intervenção abrupta para evitar que as pessoas continuem pegando tuberculose - disse Lula, que fez questão de cumprimentar os nordestinos como ele que ajudaram a construir a favela.