Título: Pobre tem direito de ir à Praia de Copacabana
Autor:
Fonte: O Globo, 08/03/2008, Rio, p. 23

LULA NO RIO: Na Rocinha, ele promete dar títulos de propriedade aos moradores, desejo antigo da comunidade

Presidente afirma que polícia tem de ser educada e não pode entrar nas favelas "batendo em todo mundo"

Ao visitar as comunidades de Manguinhos, Alemão e Rocinha, ontem, para anunciar o início das obras de urbanização que fazem parte do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu inaugurá-las até o fim de seu mandato, em 2010. "E não pensem que é uma obra daquelas, como dizem: "igreja católica não termina nunca". Em seus discursos, Lula afirmou que as intervenções nas favelas cariocas vão levantar a auto-estima do Rio de Janeiro, que, para ele, voltará a ser, de fato e de direito, a Cidade Maravilhosa.

O que Lula disse no Alemão

"E foi importante, governador, que nós não anunciássemos o PAC antes das eleições de 2006, porque senão vocês iriam ler, em manchete dos jornais, que nós estaríamos lançando um programa apenas com interesse eleitoral"

"A Dilma é uma espécie de mãe do PAC, é ela que cuida, é ela que acompanha, é ela que vai cobrar junto com o Márcio Fortes se as obras estão andando ou não estão andando. O Pezão é grande, mas ele vai saber o que é ser cobrado pela Dilma" (...)

"Eu quero contribuir para mudar a imagem do Rio de Janeiro, contribuir para quando um pobre, seja branco ou negro, dos morros do Rio, descer para ir à Praia de Copacabana, não inventem que ele está fazendo arrastão, não inventem que ele é bandido. Ele é um homem que tem direito de tomar banho na Praia de Copacabana e em qualquer praia"

"Antigamente, um carro, para ser vendido, era em 24 meses. Só um pequeno setor da sociedade da sociedade podia comprar. Agora, está em 72 meses, 82 meses, para o pobre também ter acesso ao direito de ter um carro. Por que pobre só tem que andar de ônibus? Agora talvez vocês nem queiram mais carro, porque, depois do teleférico, nem vão querer mais carro"

"Eu quero que a imprensa brasileira e a imprensa do Rio um dia publiquem uma manchete: ainda há esperança de o Rio de Janeiro voltar a ser, de fato e de direito, a Cidade Maravilhosa, com muita paz que todos nós almejamos"

"E eu dizia para o Sérgio: eu estou cansado, Sérgio, de ver o Rio de Janeiro aparecer nas primeiras páginas dos jornais e na televisão, todos os dias, como se o Rio simbolizasse violência, como se o Rio simbolizasse bala perdida, como se o Rio simbolizasse bandido e criminalidade, quando 99% deste povo são honestos, decentes, trabalhadores e querem viver condignamente"

"Oitenta por cento das pessoas que vão trabalhar no PAC, 80%, você disse, serão daqui. O que você esqueceu é que 20% serão mulheres trabalhadoras do Complexo do Alemão"

O que Lula disse em Manguinhos

"Se um nordestino como eu, que só tenho o diploma primário e um curso do Senai, chegou à Presidência da República, por que vocês não podem chegar?"

"Eu dizia para o Sérgio: se eu fosse você, todo mês passaria para visitar a obra. Se o Pezão não estiver cuidando direito, você puxa a orelha do Pezão. Me telefona e eu puxo a orelha da Dilma. Se o Pezão e a Dilma não estiverem cuidando, eu puxo a orelha dos dois"

"Eu sou filho de uma mulher que nasceu e morreu analfabeta, eu sou filho de uma mulher que morou em lugar que dava enchente de 1,5m dentro de casa. Acordava à meia-noite com rato, com barata, com fezes dentro do quarto. Era obrigado a me levantar e levantar os poucos móveis que tinha, não tinha nem geladeira e nem televisão"

É isso que nós queremos para todos nós, mas se a gente permite que as pessoas morem apinhadas em barracos de dois ou três metros quadrados, em que no mesmo quarto dormem, no mesmo quarto cozinham e no mesmo quarto fazem as suas necessidades fisiológicas, as pessoas vão deixando de ser racionais e vão virando pessoas irracionais, porque não têm nunca uma mão estendida, a figura do município nunca está presente, a figura do estado nunca está presente, e a figura do governo federal nunca está presente"

Quantas vezes já vieram os presidentes da República às favelas do Rio de Janeiro? Quantas vezes? O único momento em que pobres e favelados são tratados como cidadãos de primeira classe é no dia da eleição, em que dão mais importância para os pobres do que para os ricos"

(...) Quando eu era moleque, eu conto sempre, Sérgio, eu saía da escola, numa rua chamada Silva Bueno, eu tinha uma vontade de comer uma maçã, que era uma coisa de louco - e naquele tempo só tinha maçã argentina, que eram umas maçãs grandes - muitas vezes, eu passava com vontade de pegar uma e sair correndo. Eu nunca peguei, porque eu tinha vergonha de envergonhar a minha mãe"

O que Lula disse na Rocinha

"O que assinamos agora não é um protocolo de intenções, é a ordem de serviço para que, na segunda-feira, já comecem as obras aqui na Rocinha, no Complexo do Alemão e em Manguinhos"

"E não pensem que é uma obra daquelas, como dizem: "igreja católica não termina nunca". Na verdade, essa é uma obra que eu quero, antes de deixar a Presidência, em 2010, vir aqui inaugurar todas as obras do PAC, junto com o companheiro Sergio Cabral"

"As casas são tão apertadas, os corredores são tão estreitos, que muitas vezes não bate sol e nem o vento consegue passar. Se você passar aqui de dia, vai ver muitas casas com a luz acesa, porque não tem claridade do sol. Isso, junto com a umidade, traz o quê? Tuberculose"

(...)"Outras mães, por falta de alternativa, são obrigadas a deixar os filhos sozinhos em casa, porque precisam sair para trabalhar e não têm um vizinho com quem deixar as crianças. E aí, a gente passa e vê criança de seis anos tomando conta de criança de dois anos. E, muitas vezes, um cachorrinho na porta tomando conta das duas crianças"

"Muitas vezes eu estou no exterior, Sérgio, e tem televisão brasileira que transmite para o exterior, você liga a televisão e vê tanta barbaridade, que se alguém estiver arrumando a mala para vir para o Rio fala: "Eu vou ficar aqui, porque o Rio está muito perigoso"

"Primeiro, quem não tiver título da terra, Márcio, nós vamos ter que dar o título de propriedade, para que as pessoas tenham mais segurança para melhorar as suas casas "

(...) Não quero proteger nenhum bandido, porque se a pessoa já é bandida, nós temos que cuidar dela. Agora, é preciso que a gente faça uma diferenciação: para cada bandido, você tem 10 mil honestos, 15 mil honestos, 20 mil chefes de família trabalhadores. O que não pode é a polícia não ser educada para que comece a entrar na favela respeitando as pessoas, não pode entrar batendo em todo mundo, senão nós partimos do pressuposto de que todo mundo é bandido até prova em contrário, quando, na verdade, todo mundo é inocente até prova em contrário"