Título: Desembargadoras têm decisões divergentes no Rio Grande do Sul
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 10/03/2008, O País, p. 3

Advogado de estudante que conseguiu vaga em curso critica as regras, e chama de falácia a existência de cotas raciais no país

BRASÍLIA. Cada cabeça uma sentença. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, desembargadores têm acolhido e rejeitado recursos de estudantes contra as cotas na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). A instituição adotou a reserva de vagas pela primeira vez no vestibular de janeiro.

No mês seguinte, a desembargadora federal Maria Lúcia Luz Leiria acabou com a pretensão da candidata Lilian de Freitas Fernandes de cursar odontologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Já a desembargadora Marga Barth Tessler autorizou a matrícula da auxiliar de enfermagem Juliane Gering. As duas vestibulandas tiraram notas mais altas do que cotistas, mas não foram classificadas.

Lilian ficou em 75º lugar no vestibular, que oferecia 88 vagas - 60 pelo sistema universal e 28 para cotistas. A UFRGS reserva 30% das vagas para alunos da rede pública, sendo que metade delas deve ser preenchida por estudantes negros. Ela concorreu pelo sistema universal. A desembargadora Maria Lúcia decidiu que, para ser aprovada, a vestibulanda deveria ter tirado uma das 60 notas mais altas. Maria Lúcia rebateu o argumento de que as cotas ferem o princípio da igualdade. O raciocínio é simples: é preciso tratar de forma desigual aos desiguais, com "disciplinas jurídicas distintas ajustadas às desigualdades fácticas existentes".

Ela lembrou que o Brasil é signatário de tratados internacionais que preconizam ações afirmativas. Além disso, a Constituição já prevê cotas para deficientes físicos em concursos públicos e incentivos para a contratação de mulheres no mercado de trabalho, assim como a legislação eleitoral fixa cotas mínimas para candidaturas femininas: "Em nenhuma das previsões anteriores houve fortes contestações de inconstitucionalidade, talvez a revelar, por via oblíqua, o grau de "racismo cordial" que permeia o imaginário brasileiro", escreveu Maria Lúcia.

A desembargadora Marga, no entanto, acolheu o recurso de Juliane Gering, que ficou em 39º lugar no vestibular de psicologia. O curso oferecia 40 vagas - 28 pelo sistema universal e 12 para cotistas. Como freqüentou escola particular em parte do ensino básico, Juliane não pôde concorrer pelo sistema de cotas. Marga defendeu o princípio do mérito acadêmico. Ela argumentou que a auxiliar de enfermagem enfrenta dificuldades financeiras, já que paga aluguel, gasta com remédios para asma e tem renda familiar inferior a R$1.900 mensais. "A resolução universitária (que criou as cotas) não poderia afrontar relevante e fundamental postulado expressamente consagrado pela Constituição, o mérito acadêmico, que, neste caso, não está sendo observado", escreveu a desembargadora.

Reitor defende sistema e diz que todos os concursos têm suas regras previstas em edital

O advogado de Juliane, Gustavo Bohrer Paim, diz ter outros dois clientes que foram matriculados na mesma situação. Ele critica as regras:

- É uma falácia dizer que existe cota racial se o negro que estudou em escola particular não pode participar. É como se fosse menos negro. Não há tampouco cota social. Existem boas escolas públicas no Rio Grande do Sul, onde estudam alunos de classe média. Eles podem concorrer pelas cotas, enquanto estudantes que fizeram colégio particular com bolsa de 100%, não - diz Bohrer Paim.

O vice-reitor Pedro Cézar Dutra Fonseca defende o sistema. Ele argumenta que um estudante de baixa renda que tenha freqüentado escola particular estaria apto a disputar as vagas pelo regime universal.

- A universidade promoveu uma discussão enorme. Daqui a cinco anos, vamos avaliar se deu certo ou não. Do contrário, fica tudo no achômetro. O edital já informava sobre as cotas. Qualquer concurso estabelece os seus critérios. O Judiciário vai julgar. Acataremos as decisões. (D.W.)