Título: PF na rota das Farc na selva
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 10/03/2008, O Mundo, p. 24

Polícia criará base na Amazônia para cortar tráfico de drogas na fronteira do Brasil com Colômbia

APolícia Federal vai inaugurar nas próximas semanas uma base de operações na confluência dos rios Içá e Solimões, próximo à fronteira com a Colômbia, no oeste do Amazonas. O objetivo da base Garatéia, a nona unidade da Operação Cobra na região, é fechar uma das principais portas de escoamento de cocaína comercializada pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) para o território brasileiro. Nos últimos anos, a PF tem apreendido em média 1,5 tonelada de cocaína por ano no rio Içá - cuja cabeceira é dominada pelas Farc. Em somente uma operação que durou quatro semanas, realizada no ano passado, a PF apreendeu 500 quilos da droga no rio Içá.

- A PF tem apreendido muita droga, mas ainda é pouco, muito pouco, perto do que nós imaginamos que passe por ali - disse o delegado da Polícia Federal na cidade de Tabatinga, Eduardo Primo da Silva.

Localizada no município de Santo Antonio do Içá, a base Garatéia, cujo prédio já está pronto, será a maior da região, equipada com câmeras, sensores térmicos, radar marítimo, canhão de luz e uma equipe de aproximadamente 15 policiais que serão substituídos a cada dois meses.

A idéia é fechar uma lacuna existente no controle fluvial da região, e que vem sendo explorada pelas Farc nos últimos anos. A Polícia Federal possui bases de fiscalização nos pontos de entrada dos rios Solimões e Içá no Brasil (bases Anzol e Ipiranga), mas os traficantes de drogas se aproveitam do labirinto de igarapés e pequenos rios para abastecer as grandes embarcações de cocaína já dentro do território brasileiro. Geralmente, as balsas e barcos grandes atravessam a fronteira sem a droga. A cocaína é embarcada algumas dezenas de quilômetros à frente, levada por pequenas lanchas ou canoas. Como não existem outros pontos de controle, a droga chega facilmente a Manaus, de onde é distribuída para o exterior ou para outros estados brasileiros.

Cocaína escondida até em abacaxis

Localizada na confluência do Solimões com o Içá, a base Garatéia vai fechar esta porta de entrada da droga colombiana no país e interceptar os carregamentos antes que eles cheguem aos locais de destino.

Segundo policiais federais que trabalham na Operação Cobra, o repertório de expedientes usados pelos traficantes é grande e original. Já foram registrados casos de cocaína escondida dentro de alimentos como cebolas, mandiocas e até mesmo abacaxis, além de cortinas, fundos falsos de voadeiras (tipo de barco) e até em cordas de redes.

- O tráfico de drogas já se tornou uma questão cultural na região. A maioria das pessoas encara o tráfico como uma atividade econômica comum - disse o delegado.

Normalmente, as "mulas" recebem a droga das Farc ou de produtores protegidos pela guerrilha ainda em território colombiano ou peruano. Elas recebem entre R$500 e R$1 mil por cada quilo de pasta de coca transportado, dependendo do percurso. Os carregamentos são entregues a contatos em Manaus ou Tefé (AM). Segundo relatório da DEA (a agência americana de controle de entorpecentes) de 2006, desde que a Lei do Abate entrou em vigor no Brasil, em 2003, os transportes fluvial, via rios Solimões, Içá e Japurá, e terrestre, através do Peru, da Bolívia e do Paraguai, se transformaram nas principais rotas de escoamento da cocaína produzida na Colômbia.

Segundo autoridades brasileiras, o Solimões, o Içá e o Japurá também são usados pela guerrilha das Farc para a compra de suprimentos, de combustíveis e também de remédios.

- Eles entram no Brasil com documentos regulares, compram os suprimentos e voltam em grandes canoas - disse o delegado da Polícia Federal.

Embora não existam indícios da existência de bases das Farc em território brasileiro, e o único incidente envolvendo a guerrilha colombiana e forças brasileiras tenha ocorrido em 1991, no rio Traíra, quando três soldados brasileiros foram mortos, o comandante do 8º Batalhão de Infantaria da Selva e chefe do Comando de Fronteira do Solimões, tenente-coronel Antonio Elcio Franco Filho, admite que as Farc podem eventualmente usar os rios para escoar drogas e se abastecer de suprimentos.

- Pelas informações que temos não existem soldados das Farc nesta região, que é de mata fechada, de difícil locomoção, e sem vias de transporte terrestre. Elas estão mais ao norte. Mas essas tropas podem, talvez, vir buscar suprimentos e escoar drogas usando as mulas. É o que podemos chamar de inocentes úteis - disse o coronel.

Farc importam produtos para refino

Segundo ele, são cada vez mais freqüentes na fronteira as apreensões de produtos químicos como cimento e descongestionante nasal, usados no refino e tratamento da cocaína, saídos do Brasil rumo à Colômbia ou ao Peru.

- Estes carregamentos acabam sendo apreendidos por outros motivos, como contrabando ou descaminho, já que não temos como vincular com o narcotráfico - disse o coronel.