Título: Zapatero quer aumentar autonomia regional
Autor: Guilayn, Priscila
Fonte: O Globo, 10/03/2008, O Mundo, p. 26

Socialista de caráter negociador planeja `Espanha plural¿, com maior nível de auto-governo a comunidades autônomas

MADRI. Uma Espanha plural. É assim que José Luis Rodríguez Zapatero define o país que pretende construir, agora que vai ficar mais quatro anos na presidência do governo da Espanha. As eleições de ontem funcionaram como um plebiscito para o líder socialista, cuja gestão atual era aprovada, na metade do ano passado, por 59% dos espanhóis. Seu projeto político se baseia em três eixos: modernização, convivência e consolidação dos direitos sociais.

¿ Zapatero representa a tentativa de consolidar o que ele mesmo chama de ¿Espanha plural¿, o que significa garantir certo nível de auto-governo às diferentes comunidades autônomas do território espanhol. Dessa maneira, não chegamos a uma vertente propriamente federalista, mas, sim, a uma atualização da Espanha de regiões autônomas que surgiu com a Constituição de 1978 ¿ afirma Josep María Reniu i Valamala, professor de Ciências Políticas da Universidade de Barcelona. ¿ Zapatero apostou na diversidade dentro da unidade.

Imagem independente do antecessor socialista

Aos 48 anos, Zapatero aposta também nas reformas sociais. O atual presidente espanhol conseguiu fazer importantes mudanças no Código Civil: os homossexuais puderam se casar e adotar filhos; diminuíram-se as diferenças entre mulheres e homens ao se aprovar a Lei de Igualdade (o que proporcionou, na prática, paridade nas listas eleitorais, mais presença feminina nas empresas e aumento da licença paternidade) e uma nova Lei de Divórcio foi criada, agilizando e barateando os trâmites burocráticos. Mas ficou pendente, para uma segunda gestão, a descriminalização do aborto.

¿ Zapatero simboliza uma esquerda que ainda não está muito bem definida, mas que se diferencia da esquerda tradicional, por causa dos temas que trata. É um líder mais de assuntos soft do que de assuntos hard. É mais de moral e de valores do que de economia ¿ opina o analista político Oriol Bartomeus, membro do Instituto de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Autônoma de Barcelona. ¿ É uma nova versão do socialista espanhol, com o mesmo afã transformador do país, mas que não põe ênfase nos temas econômicos.

Zapatero construiu um governo e uma imagem completamente independentes de seu antecessor socialista, Felipe González, que foi presidente do governo espanhol por 14 anos (1982 a 1996) ¿ mandato mais longo da história da democracia espanhola. O Partido Socialista de González obteve maioria absoluta durante duas gestões consecutivas, incluindo a esmagadora vitória em 1982, com 202 deputados dos 350 que formam o Congresso, dispensando as negociações com as demais forças políticas.

¿ Zapatero e Felipe González são políticos bem diferentes, pelos contextos e práticas. Zapatero parece ter tomado o controle do partido ¿ opina Josep María Reniu. ¿ Ao ter uma legislatura de minoria, viu-se obrigado à negociação permanente.

A característica negociadora, aberta para o diálogo, foi aplicada em diferentes contextos. Com o respaldo de 192 deputados, Zapatero optou por negociar com o grupo separatista basco ETA, responsável por 817 assassinatos nos últimos 40 anos. As negociações, no entanto, não foram adiante porque, seis meses depois, o ETA voltou a agir. E, a apenas dois dias das eleições, assassinou um vereador socialista.

¿ Zapatero se caracterizou desde o começo, quando chegou à direção do Partido Socialista, por levar adiante uma política com base no diálogo e na colaboração ¿ afirma o catedrático Julian Santamaría Ossorio, diretor do departamento de Ciências Políticas da Universidade Complutense de Madri. ¿ Zapatero tem uma clara vocação democrática, em primeiro lugar; de esquerda, em segundo lugar, e, em terceiro lugar, moderada.

Igreja pode assumir oposição mais direta ao governo

Moderada não seria a palavra usada pela Igreja para definir Zapatero. O líder socialista estremeceu sua relação com o Vaticano ao apostar na modernização e no avanço científico como um dos eixos de sua política. Aprovou, durante seu governo, as leis de Reprodução Assistida (que permite a seleção genética com fins terapêuticos) e de Investigação Biomédica (conhecida como lei de clonagem terapêutica). Sua intenção é transformar a Espanha no país líder em pesquisas com células-tronco.

Reeleito, Zapatero deverá enfrentar, segundo analistas políticos, uma oposição ainda mais direta da Igreja. O arcebispo de Madri, Antonio María Rouco Varela, que foi presidente da Conferência Episcopal Espanhola entre 1999 e 2005, acaba de voltar a ocupar o posto. No dia 30 de dezembro do ano passado, Rouco Varela convocou uma manifestação em prol da família tradicional e contra o governo. O cardeal de Valência, Agustín García-Gasco, chegou a afirmar que ¿o laicismo radical poderia levar à dissolução da democracia¿.