Título: Na última hora, Irã adia visita de Ahmadinejad
Autor: Queiroz, Silvio
Fonte: Correio Braziliense, 05/05/2009, Mundo, p. 22

Brasil é surpreendido pelo anúncio de que ¿dificuldades internas¿ obrigaram o governo iraniano a cancelar viagem à América do Sul

Uma mensagem entregue ao Itamaraty no início da tarde de ontem oficializou a notícia, que circulava desde a manhã, de que o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, não virá ao Brasil amanhã, para uma visita controversa que vinha sendo cuidadosamente preparada havia mais de dois anos. Em ¿mensagem oral¿ endereçada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (leia a íntegra), encaminhada por intermédio do chanceler Manouchehr Mottaki e do embaixador Mohsen Shaterzadeh, Ahmadinejad pede ao colega que ¿aceite o adiamento¿ para ¿outra oportunidade, depois da eleição presidencial no Irã¿, marcada para 12 de junho.

O comunicado oficial à imprensa brasileira foi feito pelo embaixador Roberto Jaguaribe, subsecretário-geral do Itamaraty para Assuntos Políticos responsável, entre outras áreas, pelo Oriente Médio. ¿Sem dúvida foi em cima da hora e eles não explicaram exatamente por que¿ a visita foi adiada, disse Jaguaribe, que no entanto classificou a mensagem de Ahmadinehad como ¿uma deferência ao presidente Lula¿. O diplomata assegurou que, embora a decisão iraniana tivesse sido noticiada horas antes pela agência iraniana Fars, semioficial, foi apenas por volta das 16h que o embaixador iraniano entregou a mensagem ditada por Mottaki. Apesar do tom lacônico, fontes confirmaram que a decisão de adiar a viagem à América do Sul ¿ Ahmadinejad iria em seguida ao Equador e à Venezuela ¿ está ligada a um acirramento da campanha pela reeleição e a um aparente distanciamento por parte do guia supremo do país, o aiatolá Ali Khamenei, cujo apoio foi decisivo no pleito de 2005.

O Correio apurou que sinais de ¿problemas¿ para a visita começaram a chegar de Teerã desde a semana passada. Ontem, Shaterzadeh já tinha ido ao Itamaraty de manhã, coincidindo com o noticiário nas agências de notícias, para comunicar que havia ¿dificuldades internas¿ colocando em dúvida a vinda do presidente, mas até o início da tarde a posição oficial da embaixada iraniana era de que a visita estava mantida. A essa altura, funcionários do governo de Teerã já estavam em Brasília, e parte da comitiva que acompanharia Ahmadinejad ¿ a maior já organizada em seu mandato para uma visita ao exterior, com 200 integrantes, entre eles mais de 100 empresários ¿ já estava em São Paulo.

O encontro empresarial, marcado para hoje em um hotel da capital paulista, foi mantido e, segundo Jaguaribe, tinha presença confirmada de 150 brasileiros e mais de 50 iranianos, incluindo de ambos os lados representantes de associações setoriais. As áreas de maior interesse para negócios são petróleo e gás, petroquímica, eletricidade, mineração e serviços de engenharia. O subsecretário-geral do Itamaraty informou que funcionários governamentais iranianos ¿continuarão vindo¿ nas próximas semanas para avançar na preparação de acordos, mas que esses deverão ser assinados apenas quando os presidentes se encontrarem.

Protestos A chegada iminente de Ahmadinejad motivou protestos no Rio e em São Paulo, no domingo, por parte da comunidade judaica, que criticou Lula por receber um governante ¿que nega o Holocausto e prega a destruição de Israel¿. Na semana passada, a chancelaria israelense convocou o embaixador brasileiro, Pedro Motta, para manifestar ¿desconforto¿ pela visita. Questionado sobre o tema, Roberto Jaguaribe fez questão de enfatizar que o assunto seria tratado ¿em outra oportunidade¿, porque diria respeito ¿às relações entre Brasil e Israel¿. Aproveitou para enfatizar que o Brasil ¿tem boas relações com o Irã e com países com os quais eles não têm, como Estados Unidos e Israel¿, e poderia ser ¿não um mediador, mas um bom correspondente¿.

O diplomata deixou claro, porém, que o Brasil ¿é soberano e segue uma política externa que serve aos interesses nacionais brasileiros, e não de terceiros países¿. Jaguaribe reiterou um argumento defendido pelo ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, em entrevista exclusiva publicada pelo Correio no último domingo: lembrou que ¿os Estados Unidos também deram sinais de que querem dialogar¿ com Teerã, inclusive nas negociações mantidas por Washington com mais cinco países sobre o programa nuclear iraniano ¿ colocado sob suspeita como destinado a produzir armas, embora o Irã seja signatário do Tratado de Não Proliferação (TNP).