Título: Amizade com homossexuais ainda é tabu
Autor: Escóssia, Fernanda da; Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 09/03/2008, O País, p. 8
Preconceito é maior entre homens com mais de 50 anos e baixa escolaridade.
RIO e SÃO PAULO. O maior preconceito do brasileiro - ou pelo menos o que o brasileiro mais admite - tem a cara de um amigo que vai embora. De acordo com a pesquisa da Nova S/B Ibope, a homossexualidade tem os piores índices de rejeição entre os temas pesquisados. Um terço dos entrevistados afirmou que se afastaria de um amigo se descobrisse que ele é homossexual. Por outro lado, 65% dos entrevistados manteriam a amizade.
O preconceito contra homossexuais é maior entre os que têm mais de 50 anos - 45% admitiram que se afastariam de um amigo homossexual. Diminui entre os mais instruídos e cresce entre os que têm baixa escolaridade, alcançando 39% dos que estudaram até a quarta série do ensino fundamental. Questionados sobre as amizades, 44% dos entrevistados disseram não ter amigos homossexuais. E 40% afirmaram ter de um a cinco amigos homossexuais.
"O homossexual só tem amigos gays"
Amizades perdidas fazem parte da história do estudante Mauro Lima, 19 anos. Ele conta que desde cedo soube que era homossexual, mas, quando contou aos amigos, viu que eles preferiam não saber:
- Achei que iam me respeitar por contar a verdade, mas não foi assim. Perdi todos os amigos. Sou de família evangélica e enfrentei coisas horríveis quando contei a verdade, de gente dizendo que eu estava doente a outros querendo me exorcizar. O homossexual fica reduzido a guetos, só tem amigos gays e só vai a lugares para gays.
Para militantes do movimento GLBT (Gays, Lésbicas, Bissexuais, Travestis e Transexuais), os números traduzem ao mesmo tempo uma preocupação - pois o preconceito existe - e um avanço - já que 65% dizem que manteriam a amizade. O presidente do Grupo Gay da Bahia, Luiz Mott, acredita que a homofobia se agrava porque começa dentro de casa.
- Enquanto a família de judeus, cegos ou negros tenta capacitá-los para lutar contra o preconceito, os pais que descobrem que um filho gay, lésbica ou travesti muitas vezes partem para o insulto, a violência física ou mesmo para o assassinato.
Nos últimos 20 anos, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia, mais de 2,8 mil homossexuais morreram. Foram 110 homicídios em 2007. E só nos primeiros dois meses de janeiro, 23 gays foram assassinados. No Rio, foram oito assassinatos por homofobia este ano.
Em São Paulo, o Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia de São Paulo contabilizou 421 reclamações de violência nos últimos dois anos, de agressão física a assassinatos. Por isso tudo, a grande bandeira do movimento GLBT hoje é a aprovação do projeto de lei que criminaliza o preconceito com base na orientação sexual.
Criada pelo governo do Rio, a superintendência de Direitos Individuais, Coletivos e Difusos, subordinada à Secretaria de Assistência Social, tem o objetivo de implementar um plano estadual de combate à homofobia. Para Cláudio Nascimento, responsável pela superintendência, o desafio apontado pela pesquisa é o de implementar políticas públicas capazes de diminuir a incidência da discriminação:
- Ser o lanterninha entre todos os temas abordados confirma que a homofobia se reproduz de forma consistente no país e precisa de ações concretas que a ataquem. Por outro lado, outras pesquisas realizadas mostram que, há alguns anos, os números eram o inverso, dois terços rejeitavam uma amizade homossexual. Mas a homofobia ainda convive com a impunidade, muitos encaram a morte de um homossexual como um serviço prestado à sociedade. É preciso mostrar que a sociedade e o Estado repudiam a homofobia.