Título: Superfaturamento e desvio de verbas na Funasa
Autor: Lima, Maria
Fonte: O Globo, 09/03/2008, O País, p. 10

TCU aponta irregularidades em convênios do órgão com ONGs; ministro do tribunal diz que governo patrocina "amigos".

BRASÍLIA. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) em convênios realizados entre ONGs e vários órgãos do governo federal mostram que a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) é outro sumidouro de recursos públicos. Com quase todo o setor terceirizado, o órgão tem em vigência hoje convênios com 52 ONGs de atendimento à saúde indígena. Em 2007, por problemas de desvio de recursos, não cumprimento do serviço contratado, falhas na prestação de contas e superfaturamento, 31 entidades tiveram seus convênios cancelados.

Por causa da auditoria do TCU, a Funasa e sua relação com ONGs indígenas estão na mira de duas CPIs no Congresso: a das ONGs e a da Subnutrição Indígena, criada para investigar o não-atendimento de aldeias no Mato Grosso do Sul onde ocorreram dezenas de óbitos de crianças indígenas, por inanição.

O relatório do TCU, aprovado em 2006, mostra, por exemplo, que a Urihi - Saúde Yanomami, entidade que, teoricamente, deveria prestar assistência de saúde aos índios de Roraima, foi criada somente para receber os recursos da Funasa: três convênios de R$33,8 milhões entre 2000 e 2004. Neste ano, depois das denúncias de irregularidades, a Urihi suspendeu o atendimento e fechou as portas. E os cofres públicos ficaram com o prejuízo.

ONG diz que foi criada só para pegar dinheiro da Funasa

Em ofícios dirigidos aos órgãos gestores do governo, os dirigentes da ONG já avisaram: não têm como devolver um centavo, pois a entidade não tem recursos e nem patrimônio, e que fora criada só para receber o dinheiro da Funasa.

Numa pequena amostragem, das dez ONGs investigadas pelo TCU, apenas três, justamente as que tinham o título de utilidade pública, não apresentaram irregularidades. No seu relatório, o ministro-relator Marcos Bemquerer da Costa diz que o maior problema é que o governo fecha os olhos e trata a questão das ONGs como um "clube de amigos", patrocinando organismos indicados por amigos ou conhecidos, sem atender a critérios rigidos.

Foi isso que fez com que a Urihi, criada pelos médicos cariocas Cláudio Esteves de Oliveira e Deise Alves Francisco, exclusivamente para celebrar convênios com a Funasa, com sede em sua própria casa, fosse contemplada com recursos de três convênios, no montante de R$33,85 milhões. Tendo celebrado o primeiro deles apenas três meses após a data de sua fundação.

- Hoje o que se vê é intolerável. Em função de uma duvidosa concepção doutrinária do direito brasileiro, dá-se uma espécie de ação entre amigos. Há ONGs que sequer possuem sede ou endereço certo e conseguem viabilizar emendas orçamentárias, receber abundantes recursos financeiros do erário e aprovar prestações de contas sumárias no órgão repassador - diz o ministro do TCU: - Tem o caso de uma que recebeu o dinheiro na conta um dia antes de registrar sua criação no cartório. A conta bancária existia antes do registro.

Uma ONG, para efeito legal, pode constituir-se como associações ou fundações. Mas 95% são registradas como associações, o que dispensa a existência de patrimônio prévio. O levantamento do tribunal mostra que, de 100% destinados para essas entidades, por meio dos convênios, apenas 25% vai para a atividade fim, que é cuidar dos índios. A maior parte, ou 75%, vai para pagar salários, aluguel, compra de carros, como uma Toyota Hilux 3.0, viagens e até pagamento de pensão alimentícia.