Título: Coração novo para Maria Pia
Autor: Rebello, Pablo
Fonte: Correio Braziliense, 05/05/2009, Cidades, p. 23

Professora aposentada esperou um ano e quatro meses na fila por órgão compatível até conseguir, ontem, fazer a cirurgia. Ela se tornou a primeira mulher do DF a passar por transplante cardíaco

O toque inesperado do celular encheu a casa da professora aposentada Maria Pia Barbosa Albuquerque, 51 anos, de ansiedade e apreensão no domingo à noite. A ligação era do Instituto de Cardiologia do DF, antigo Incor, e a notícia não podia ser melhor: tinham encontrado um possível doador de coração para Maria. Ela segurou a empolgação. Estava na fila à espera de um órgão havia um ano e quatro meses. Nesse período, já tinham ligado quatro vezes para a família com a mesma notícia. Nenhuma delas vingou. Dessa vez, foi diferente. Maria, que completa 52 anos no próximo dia 17, conseguiu um novo coração e se tornou a primeira mulher do DF a passar pelo transplante do órgão.

A cirurgia teve início por volta das 2h de ontem e só foi concluída às 7h. Ela passou boa parte do dia respirando com a ajuda de aparelhos e recobrou a consciência no início da tarde. Durante visita do marido, o analista de trânsito Francisco Rubens Ribeiro de Albuquerque, 54 anos, ela chegou a acenar para o companheiro. ¿O quadro dela está excelente. Ela reagiu bem à cirurgia, sem sangramento ou arritmia. Maria ganhou tanto um presente de dia das mães quanto de aniversário¿, afirmou o médico Cristiano Faber, coordenador cirúrgico do programa de transplante cardíaco do Incor.

Francisco ficou aliviado com o sucesso da cirurgia. ¿Me sinto como se tivessem tirado um grande peso das minhas costas. O período em que ela esteve doente foi muito difícil. Toda a família girava em torno dela e eu me sentia impotente por não poder ajudá-la a se curar¿, contou. O coração de Maria encontrava-se dilatado por conta de uma doença rara, que descobriu ter durante a gravidez do segundo filho, em 1985 (leia Para saber mais). A situação se agravou nos últimos dois anos.

Dois fatos que contribuíram para a piora nas condições da paciente foram as doenças que a mãe dela teve e a morte do pai. Abalada emocionalmente, não demorou para que sentisse a deterioração da própria saúde. As tarefas mais simples tornaram-se difíceis para a professora aposentada. Até para escovar os dentes ou caminhar ela precisava de ajuda. ¿Ela é guerreira. Fazia fisioterapia no hospital toda sexta-feira e logo superava as dificuldades¿, lembrou o marido.

Nem a longa espera conseguiu tirar a esperança da mulher de se recuperar. No tempo em que ficou no aguardo de um coração, viu outras pessoas que também estavam na fila falecerem. Inclusive as duas outras únicas mulheres. Francisco sentia um aperto. Mas Maria o puxava de lado e brincava em tom de confidência: ¿Eu não vou embora, não. Vou sair dessa¿. A brincadeira deixava o marido mais tranquilo.

Banho de mar O tempo e as frustrações com os possíveis doadores que não se concretizaram mexeram com toda a família. A esperança continuava presente, mas a chama diminuía com a passagem dos dias. ¿É duro ver uma pessoa que você ama definhar aos poucos. Tanto que pedi uma permissão no hospital para levá-la em uma viagem. Ela queria ver a praia e tomar um banho de mar. Fomos para Fortaleza e para a Paraíba e ela realizou a vontade que tinha. Mas parecia que estava se despedindo de tudo. E isso me preocupava¿, detalhou Francisco.

Ele chegou a relatar o drama vivido pela família em um poema feito especialmente para a esposa e que conta a história desde a primeira vez que receberam a notícia de um possível doador (leia trecho ao lado). Na ocasião, a família estava reunida e fez festa. Maria parecia alegre e rezou de casa até o hospital. Antes de entrar, recebeu a má notícia: não seria possível usar o coração do doador. ¿Ela ficou muito mal. Precisamos passar a noite no hospital¿, recordou Francisco. ¿Esse era o lado difícil da espera. As chances perdidas. Não sei quanto tempo aguentaríamos se dessa vez fosse igual às anteriores.¿

Segundo o médico Cristiano Faber, as idas e vindas ao hospital são um mal necessário que os prováveis receptores precisam enfrentar. ¿Tecnicamente, trata-se de uma operação simples. A complexidade encontra-se em achar o doador ideal com órgãos em condições. O coração deteriora enquanto o processo de morte cerebral do doador é reconhecido, a família dele permite a doação e ele é trazido a nós para ser avaliado¿, detalhou. ¿Precisamos ter tudo pronto para a operação, caso o coração dele seja compatível. Por isso, avisamos as famílias antecipadamente¿, detalhou.

O transplante costuma durar uma média de cinco horas. Para que a operação tenha sucesso, o coração precisa ser do mesmo tipo sanguíneo do receptor e o peso do doador deve ser semelhante ao de quem vai receber o órgão. Além disso, é recomendado que o doador seja mais novo. De coração novo, Maria deve passar alguns dias na Unidade de Terapia Intensiva antes de ser transferida para um quarto.

Ela contará com acompanhamento constante da equipe de médicos do Instituto de Cardiologia, que permaneceu inalterada mesmo com as mudanças que sofreram ao passarem da Fundação Zerbini para a Fundação Universitária de Cardiologia do Rio Grande do Sul. ¿A razão social mudou, mas a qualidade dos nossos serviços permanecem inalteradas¿, garantiu a diretora médica do instituto, Núbia Vieira. Atualmente, existem nove pessoas na fila para receber um coração. Todas enviadas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A espera, para elas, ainda não acabou.