Título: Documentos de guerrilheiro viram armas de Uribe
Autor: Azevedo, Cristina; Valente; Leonardo
Fonte: O Globo, 09/03/2008, O Mundo, p. 41

Material, segundo Bogotá, mostra que Farc são uma organização terrorista transnacional apoiada por Chávez.

RIO e BOGOTÁ. Provar que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) são muito mais que um grupo revolucionário de esquerda que se transformou em uma organização de narcotraficantes: são, agora, uma organização terrorista transnacional, com relações próximas com governos como os de Venezuela e Equador, e com outras organizações como o grupo separatista basco ETA. Essa é a tarefa na qual o governo colombiano está se empenhando com afinco, principalmente depois de sua controversa ação militar em território equatoriano, que matou o número dois da guerrilha, Raúl Reyes, e iniciou uma das mais graves crises diplomáticas nos últimos anos na América do Sul. Como provas desse perfil das Farc, Bogotá divulgou um calhamaço de papéis, arquivos de computador, vídeos e fotos que, de acordo com sua versão, teriam sido encontrados no acampamento de Reyes. O material, segundo o presidente colombiano, Álvaro Uribe, servirá de base para uma grande ofensiva de seu país em tribunais internacionais de justiça, cobrando responsabilidades dos governos supostamente envolvidos com os guerrilheiros.

- Estamos determinados a lutar para que todas as relações das Farc com Venezuela e Equador venham à luz e as responsabilidades de ambos sejam cobradas - disse o presidente.

Marulanda participaria de cúpula com presidentes

Entre os papéis e arquivos divulgados estão cartas afirmando que o presidente do Equador, Rafael Correa, fez contatos com a guerrilha através de emissários, entre eles o ministro da Defesa, Gustavo Larrea. Entre os assuntos estariam a libertação de reféns, acordos para trabalhos em conjunto na fronteira com a Colômbia e "regras" para que os guerrilheiros freqüentassem território equatoriano livremente.

Em relação ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o material seria ainda mais comprometedor. Sugere recebimentos e envios de dinheiro, entre eles os US$300 milhões que teriam sido doados por Chávez às Farc e os US$50 mil que ele teria recebido dos guerrilheiros em 1992, quando estava preso após tentar um golpe. O material também mostra comunicação por carta e e-mail entre Chávez e o líder fundador da Farc, Manuel Marulanda, e em pelo menos duas cartas, com remetente oculto, é citado um possível encontro entre Chávez e Marulanda, que poderia ter também a participação de Correa, do presidente da Bolívia, Evo Morales, e do presidente da Nicarágua, Daniel Ortega. O encontro, secreto, ocorreria durante uma cúpula dos presidentes.

Entre as fotos que teriam sido retiradas do computador destacam-se as de Walter Wendelin e Iñaki Gil, dirigentes de grupos ligados ao ETA e que, segundo fontes de inteligência colombianas, teriam se encontrado com guerrilheiros das Farc na selva equatoriana. As ligações das Farc com Chávez, Correa e ETA, e as descobertas de que o grupo estaria preparando ataques com bombas radioativas, segundo a Colômbia são mais que suficientes para mostrar que o terrorismo transnacional já está implantado na América do Sul e conta com a ajuda de governos.

Mas seriam os documentos apresentados por Bogotá suficientes para convencer os tribunais internacionais de justiça de que as acusações são verdadeiras? Especialista em questões militares, Alfredo Rangel, diretor da Fundação Segurança e Democracia, acredita que não haja motivos para duvidar que os documentos sejam autênticos, já que o governo colombiano os colocou à disposição de instâncias internacionais. Para ele, o material levanta pontos impressionantes, como um grau de aliança entre Chávez e a guerrilha que, na sua opinião, "supera qualquer suspeita anterior".

- A maneira como os documentos indicam que os reféns foram negociados, como uma moeda política, e o apoio de Chávez às Farc e também por parte do Equador são impressionantes - diz ele, que afirma que os documentos podem ser ainda mais importantes do que a morte de Reyes. - Eles são importantes porque podem levar Venezuela e Equador a darem explicações sobre suas relações com as Farc e levar a uma pressão internacional para o fim da colaboração com a guerrilha.

Os documentos, para ele, levariam ainda a uma pausa na negociação sobre os reféns, já que, com a descoberta, teria sido abortada a estratégia da guerrilha de conseguir que os presos fossem levados à Venezuela.

Para Williams Gonçalves, professor de relações internacionais da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, falsos ou verdadeiros, os documentos, em especial sua divulgação, mostram que Uribe não está disposto a negociar.

- Temos que levar em conta que a Colômbia matou um dos líderes das Farc que mais defendiam um diálogo. Isso é sinal de que Bogotá não está querendo conversar e que a libertação de reféns com intermediação da Venezuela gera grande mal-estar.