Título: Congelados estudos com embriões
Autor: Marinho, Antônio; Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 09/03/2008, Saúde, p. 44

À espera do STF, pesquisa de doenças quase pára.

Odiamento da votação sobre a legalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias no Supremo Tribunal Federal (STF), na última quarta-feira, prorrogou por pelo menos mais 30 dias a imobilidade de cientistas brasileiros que trabalham (ou gostariam de trabalhar) com as promissoras células de embriões em trabalhos que buscam terapias para doenças degenerativas e cardíacas.

Não que as pesquisas estejam proibidas. A Lei de Biossegurança, aprovada em 2005, garante que elas podem ser realizadas no país com embriões congelados há mais de três anos nas clínicas de fertilização, desde que com a autorização dos genitores. Mas a Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada no mesmo ano fez com que o caso fosse remetido ao STF, abrindo caminho para uma possível anulação da lei. Com isso, o dinheiro para as pesquisas minguou, e os cientistas, temendo uma proibição, não empenharam todos os recursos humanos disponíveis.

Essa é a realidade no Laboratório de Neurogênese e Diferenciação Celular, do Instituto de Ciências Biomédicas da UFRJ. Originalmente, a ênfase do laboratório seria o estudo das células embrionárias humanas. Mas com a indefinição legislativa, a maioria dos profissionais trabalha com células-tronco adultas de humanos e embrionárias de camundongos. Apenas um pequeno grupo se dedica atualmente às células de embriões humanos. O grupo desenvolve metodologias para diferenciar as células em neurônios, numa linha de pesquisa cujo objetivo final é buscar possíveis terapias para mal de Parkinson e lesões de medula.

¿ O laboratório tem 15 pessoas, mas nessa pesquisa estamos trabalhando só com dois alunos de doutorado ¿ conta o coordenador Stevens Rehen. ¿ Poderíamos ter o grupo todo nisso se houvesse a certeza da lei porque, nesse caso, teríamos mais possibilidade de financiamento. E não posso correr o risco de todos os alunos terem seus trabalhos bloqueados se a lei for anulada. É lógico que os estudos poderiam avançar muito mais se tivesse todos voltados para isso.

Diretora do Centro de Pesquisa do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP), Mayana Zatz sofre com o mesmo problema. Seu grupo se dedica a buscar tratamentos para as distrofias musculares, doenças genéticas degenerativas e incuráveis.

¿ Estou trabalhando com células-tronco adultas porque a pesquisa com as embrionárias está congelada ¿ conta Mayana. ¿ Com a aprovação da lei, a primeira coisa será retomar o projeto. Quero deixar claro que achamos ótimo trabalhar com células adultas. Mas justamente por estarmos trabalhando com elas é que vemos sua limitação. Temos que trabalhar com as adultas e com as embrionárias. Uma coisa não exclui a outra. Queremos ter todas as possibilidades.

Mesmo os grupos que ainda não trabalham com as células embrionárias dizem que, em breve, terão necessidade de se voltar para essa linha de estudo. É o caso do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq/MCT) e pesquisador da USP de Ribeirão Preto, Marco Antônio Zago. Ele coordena o Centro de Terapia Celular, que estuda as células-tronco no sistema imunológico.

¿ No meu grupo, até hoje, não trabalhamos com células embrionárias, o que não nos impediu de fazer progressos ¿ afirma Zago. ¿ Até agora (a questão legal em debate) não foi um impedimento grande, mas vai começar a ser porque aumentou a a massa de pesquisadores nessa área.

Para Lygia da Veiga Pereira, do Instituto de Biociências da USP, estudar células-tronco embrionárias é essencial para o país.

¿ Uma das áreas é a pesquisa básica, que usa células embrionárias como modelo para aprender sobre biologia humana. Outro campo é a terapia. Já existe grande esforço na investigação com células-tronco adultas. Com a aprovação da lei, outros grupos podem se interessar em pesquisar células embrionárias ¿ diz.

Uma das áreas mais promissoras é a da cardiologia, em que o grupo de Hans Fernando Dohmann, diretor do Instituto Nacional de Cardiologia, foi pioneiro no uso experimental de células adultas para o tratamento de infarto.

¿ Não podemos ficar a reboque de países que já investem e avançam nessa área. O potencial conhecimento é muito grande. Embora seja algo complexo, abre-se uma perspectiva mais concreta ¿ afirma Dohmann.

Impulso para teste de novas drogas

Ele acrescenta que o início do estudo com células embrionárias não significará a solução a curto ou a médio prazo para doenças. Será necessária pelo menos uma década para ter resultado. Há outros aspectos relevantes que a pesquisa proporcionará, como o melhor conhecimento de mecanismos moleculares e o entendimento de processos degenerativos.

¿ Essa análise será útil em novas estratégias de tratamento e produção de remédios ¿ diz.

Stevens Rehen concorda:

¿ O campo de testes de medicamentos, menos comentado, é muito promissor ¿ afirma. ¿ Se fizermos, por exemplo, uma cultura de neurônios humanos podemos testar com facilidade drogas para reduzir a degeneração. É um tipo de pesquisa mais simples e ágil, mas muito interessante e que contaria com o apoio da indústria.