Título: Governo prepara pacote contra queda do dólar
Autor: Oliveira, Eliane; Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 12/03/2008, Economia, p. 23

CMN pode se reunir hoje para decidir medidas. Guido Mantega afirma que moeda americana "está derretendo".

BRASÍLIA. Preocupado com os efeitos do que considera "derretimento do dólar", o governo prepara medidas para tentar conter a desvalorização da moeda americana e preservar a competitividade de longo prazo do setor produtivo. Para isso, trabalhará em duas frentes. Uma é a ação direta, por intermédio da taxação da compra de títulos públicos por estrangeiros - por exemplo, com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) - e da redução da cobertura cambial. Atualmente, os exportadores são obrigados a entrar no país com 70% das receitas obtidas com as vendas ao exterior. Outra é a retomada da política industrial, focada na ampliação das exportações.

Até ontem à noite, havia a informação de que o Conselho Monetário Nacional (CMN) seria convocado hoje para deliberar sobre medidas que freiem a queda do dólar. Mas isso dependia de reunião do ministro da Fazenda, Guido Mantega, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Em encontro recente, o presidente cobrou medidas que impeçam a deterioração do balanço de pagamentos, para não chegar ao fim do mandato em situação semelhante à do governo anterior, que deixou para a gestão seguinte uma alta vulnerabilidade externa. Lula considera que a redução deste indicador é uma conquista de seu mandato.

Evitando caracterizar as medidas em estudo como pacote, Mantega admitiu ontem que o cenário preocupa, por não estar relacionado apenas ao Brasil e sim à conjuntura internacional:

- Não é o real que está valorizando, mas o dólar que está derretendo. Esse é um problema que nos preocupa, pois desvaloriza os produtos que nós exportamos - afirmou. - É um problema que nos preocupa (...) e precisa ser enfrentado.

Por isso, informou que o governo está atento à valorização cambial excessiva das últimas semanas, sempre pode adotar novas medidas e se preocupa em fomentar as exportações. Mantega disse ser a favor do fim da cobertura cambial, dispositivo já previsto na lei das Zonas de Processamento de Exportação, em tramitação:

- Já permitimos que 30% dos recursos fiquem no exterior. Poderemos tomar outras medidas nessa direção.

Fontes dos ministérios da Fazenda e do Desenvolvimento afirmaram que não há pânico com o patamar atual do câmbio. A essência da política cambial (flutuante, com livre fluxo) não muda, até porque ninguém quer uma reversão brusca na cotação do dólar: a inflação sob controle evita uma mudança no humor do Banco Central em relação aos juros. Mas é consenso que é preciso agir para precaver efeitos colaterais futuros.

Governo estuda desonerar setor de bens de capital

Não à toa, a grande preocupação do governo é com o desempenho das exportações. As importações, disse um importante integrante da área desenvolvimentista, têm um perfil saudável, uma vez que são compostas, em sua maioria, por bens de capital, insumos e matérias-primas, e ainda ajudam a controlar a inflação. A meta a ser seguida no conjunto de ações que estão em discussão é expandir a participação do Brasil nas exportações mundiais de 1,16% para 1,25%.

Este objetivo seria perseguido com a política industrial. Desonerações tributárias só serão anunciadas após a aprovação do Orçamento. O alvo preferencial são os bens de capital, que poderiam ter uma carga menor de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e PIS/Cofins. Com isso, seria possível desonerar investimentos. Outra vertente consiste no aumento das compras governamentais e estatais como forma de estimular o setor produtivo.

Porém, a maior parte das ações em estudo pela equipe econômica tende a ser inócua, na opinião de especialistas. Ex-diretor de Assuntos Internacionais do Banco Central, responsável por parte das reformas cambiais recentes, Alexandre Schwartsman diz que nem a flexibilização da cobertura cambial nem a dilatação do prazo para entrar com os dólares no país ajudaram a conter a entrada de moeda estrangeira. Além disso, ponderou, os investidores internacionais já compravam títulos públicos antes da isenção de IR, por intermédio de uma operação triangulada. Podem, portanto, retomar o mecanismo.

Ele acrescentou que, como o Brasil paga um dos juros mais elevados do mundo, é interessante para os exportadores transformarem seus dólares em reais e aplicarem no mercado interno. A taxa básica de juros do país está em 11,25% ao ano.

Para diretor do BB, medida não segurará dólar no exterior

O diretor de comércio exterior do Banco do Brasil (BB), Nilo Panazzolo, disse que, atualmente, os clientes da instituição usam "pouquíssimo" essa alternativa e, por isso, ele não acredita que aumentar o limite vai segurar mais dólares lá fora. Panazzolo destacou que cerca de 75% do câmbio de exportação atualmente são fechados por apenas 200 empresas exportadoras, que já têm suas práticas consolidadas.

Mantega admitiu ontem ainda que a crise internacional está se agravando. Mas reafirmou a convicção de que o Brasil está preparado para enfrentar uma possível recessão nos EUA:

- Ela (a crise) não acabou. É crise muito séria que já tem produzido prejuízo de US$400 a US$ 500 bilhões nos bancos internacionais.

COLABORARAM Martha Beck e Geralda Doca