Título: Pneus velhos, fraude nova
Autor: Vasconcellos, Fábio
Fonte: O Globo, 13/03/2008, Rio, p. 14

Receita investiga golpe na importação de usados, que põem meio ambiente em risco.

Doze empresas que conseguiram trazer para o Rio 250 contêineres com cerca de 220 mil pneus usados da Europa estão sendo investigadas pela Receita Federal. O material está retido no Porto até que o setor de inteligência do órgão apresente um relatório final sobre caso. Há suspeitas de que alguns importadores tenham burlado a legislação para revender o produto no Rio e em estados vizinhos, o que é proibido. Desde 1997, o Brasil não autoriza a importação de pneus usados, porque são considerados lixo de difícil destinação, causando sérios danos à natureza. Com menos tempo útil de vida, eles são usados e logo descartados no meio ambiente.

As investigações no Rio começaram depois que a Receita desencadeou em fevereiro, no Espírito Santo, no Paraná e na Bahia, a Operação Lixeira, que identificou compradores que obtinham na Justiça liminares para trazer o produto do exterior. Eles alegavam que importavam matéria-prima que seria remodelada e transformada de novo num pneu. Mas a Receita descobriu que algumas empresas não tinham sequer capacidade para fazer a remodelagem e estavam revendendo pneus velhos. Duas importadoras descobertas na fraude no Espírito Santo também têm negócios no Rio e são responsáveis por parte da carga retida no Porto. A preço de mercado de um pneu já remodelado, os 220 mil poderão render às empresas cerca de R$19 milhões.

- Decidimos, por medida cautelar, verificar onde havia pneus importados nas mesmas condições das encontradas no Espírito Santo (com autorização judicial). Estamos analisando se as empresas donas desses contêineres têm condições de fazer a remodelagem. Quem não tiver sofrerá punições - diz o superintendente da Receita no Rio, Cesar Barbiero.

Ano passado, 40 mil pneus apreendidos

A grande quantidade de pneus velhos descartados anualmente tem dado trabalho à prefeitura. Entre dezembro de 2006 e janeiro deste ano, os depósitos da Comlurb receberam cerca de um milhão. Já a Receita apreendeu outros 40 mil que entraram irregularmente no Rio. Em muitos casos, as empresas embarcam o produto na Europa sem ter conseguido ainda a liminar na Justiça. Há registros de importadores que simplesmente abandonam a carga no Porto quando não conseguem a liberação judicial.

Um pneu novo de carro de passeio custa em média R$130. Já o remodelado pode ser comprado por R$90, segundo a Associação de Recauchutadores do Estado do Rio (Arterj). A entidade estima que as empresas sediadas no Rio vendam cerca de cem mil remodelados todos os anos.

Não é difícil encontrar pneus no meio ambiente. No Canal do Cunha, próximo à Linha Vermelha, uma canoa está repleta deles. Na Estrada Velha de Jacarepaguá, próximo a Rio das Pedras, também há pneus abandonados. Dados da Associação Brasileira do Segmento de Reforma de Pneus (ABR) indicam que, todos os anos, cerca de 16 milhões de pneus são remodelados no Brasil.

Na avaliação de Barbiero, as importadoras que burlam a legislação cometem várias infrações, a principal delas contra o meio ambiente. Segundo ele, no caso do Rio, há fraude também contra o Judiciário, que é enganado, achando que concedeu liminares a empresas de remodelagem. Já o superintendente do Ibama no Rio, Rogério Rocco, explica que, ao comprar pneus usados, o Rio está, na verdade, importando um passivo ambiental, que aqui já é alto devido à produção nacional. Empresas que trazem pneus usados do exterior, o que hoje só é possível devido às liminares, podem ser multadas em até R$400 por unidade, caso seja comprovado que os produtos estão sendo vendidos diretamente para o consumidor final.

Diretor-executivo da ABR, Lupécio Luzia Friolani defende a investigação da Receita e diz ser favorável à liberação da importação de carcaça de pneus para remodelagem. Friolani afirma que as empresas têm recorrido a liminares porque existe procura do produto e a indústria nacional não consegue atender à demanda.