Título: Vai sobrar para o Banco Central subir juros
Autor: Rodrigues, Luciana; Schreiber, Mariana
Fonte: O Globo, 13/03/2008, Economia, p. 26
Ministro das Comunicações e presidente do BNDES durante o governo Fernando Henrique, o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, hoje à frente da Quest Investimentos, vê com preocupação a forte expansão da demanda doméstica que, nas suas contas, cresceu 8% no último trimestre.
Luciana Rodrigues
O PIB surpreendeu positivamente?
MENDONÇA DE BARROS: Depende do ponto de vista. É evidente que é uma boa notícia. Em primeiro lugar, porque põe o Brasil mais à frente entre as economias emergentes. Antes, éramos o patinho feio. Agora, estamos crescendo mais que Turquia e outros grandes emergentes. Além disso, o PIB per capita teve um desempenho que não víamos há muito tempo. Antes de 2003, a renda per capita crescia, em média, 1% ao ano. Multiplicamos por quatro esse crescimento, que é o que interessa ao cidadão. E, com este câmbio, temos a chance de passar a Espanha em termos de PIB em dólar. Mas há dados que preocupam.
Qual é a parte ruim?
MENDONÇA DE BARROS: O crescimento acelerou demais. Iniciamos o ano num ritmo de 4,4% (expansão no primeiro trimestre, frente a igual período de 2006) e terminamos a 6,2%. Isso está levando a um forte aumento das importações. A absorção doméstica (consumo das famílias, investimento e gastos do governo) terminou o ano crescendo 8% frente ao mesmo trimestre do ano anterior). Por enquanto, isso não está virando pressão sobre preços porque estamos trazendo muitos importados. Não tem inflação, mas come o saldo comercial.
O governo acena com medidas para estimular as exportações.
MENDONÇA DE BARROS: Se o governo está preocupado com o saldo comercial, tem que estar preocupado com a absorção doméstica. Um crescimento de 8% é muito, a economia não agüenta. É como um caminhão em alta velocidade e acelerando, de forma que pode perder o controle. O governo tem que reduzir a absorção doméstica.
Como fazer isso?
MENDONÇA DE BARROS: Uma opção seria o governo cortar seus gastos. Mas como não há sinais de que isso possa ocorrer, vai sobrar para o Banco Central subir os juros.
Medidas para o câmbio não ajudariam a evitar queda no saldo comercial?
MENDONÇA DE BARROS: É errado mexer no câmbio, porque o câmbio não é o vilão. O vilão é a absorção doméstica.
Em 2007, pela primeira vez desde 2002, o país teve necessidade de financiamento externo. Há risco nesse déficit?
MENDONÇA DE BARROS: Algum déficit em conta corrente é saudável. Ajuda a financiar o crescimento. Não me assusto com esse déficit. Eu me assusto é com a absorção doméstica crescendo 8% e acelerando, porque, com as importações de máquinas e equipamentos, vêm também veículos e outros bens de consumo.