Título: A quadrilha do pagou, isentou
Autor: Carvalho, Jailton de; Éboli, Evandro
Fonte: O Globo, 14/03/2008, O País, p. 3

PF prende seis envolvidos em esquema de concessão de títulos de filantropia na CNAS.

Depois de quatro anos de investigação, a Polícia Federal prendeu ontem seis pessoas envolvidas num esquema de corrupção no Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS). A quadrilha é acusada de fraudar a concessão de títulos de entidade filantrópica e, assim, facilitar o desvio de milhões de verbas federais em isenção de impostos. Foram presos advogados e dirigentes do CNAS, entre eles Carlos Ajur Costa, ex-presidente do conselho.

Ao todo, a PF pediu a prisão de 16 pessoas suspeitas de participarem da quadrilha, mas a Justiça Federal indeferiu o pedido de dez. Entre os envolvidos está o atual presidente do CNAS, Silvio Iung, que, apesar de não ter sido detido, teve sua casa, em Porto Alegre, revistada por agentes federais.

Anteontem, Iung foi citado pelo ministro do Desenvolvimento Social, Patrus Ananias, numa cerimônia de comemoração dos quatro anos de existência da pasta. Patrus afirmou que Iung é um de seus principais parceiros na implantação dos programas sociais. Na solenidade, o presidente do CNAS até recebeu placa comemorativo da data. Patrus anunciou que ele estava recebendo em nome dos movimentos sociais, "atores essenciais na consolidação dos programas".

Foram presos ainda Márcio José Ferreira (conselheiro do CNAS), Euclides da Silva Machado (conselheiro suplente), os advogados de entidades Ricardo Vianna e Luiz Vicente Dutra e a secretária de Dutra, Andréa Schramm Moraes. As prisões ocorreram em Porto Alegre, Rio, Brasília e Vitória.

A PF pediu a prisão ainda de outros conselheiros e servidores do CNAS e advogados, entre eles o conselheiro Ademar de Oliveira Marques e o ex-conselheiro Misael Lima Barreto. O Ministério Público Federal, que participava desde o início das investigações, concordou com o pedido, que acabou sendo negado pela Justiça.

Esquema envolve 60 entidades

A superintendente da Polícia Federal em Brasília, Valkiria Teixeira de Andrade, disse que até agora foi identificado o envolvimento de 60 entidades no esquema, principalmente hospitais e faculdades. Valkiria disse que ainda não há como estimar o prejuízo causado, mas afirmou que é na casa dos milhões. A superintendente alegou não poder revelar os nomes das instituições porque o processo tramita em segredo de Justiça.

Segundo a PF, o esquema da quadrilha funcionava da seguinte maneira: os advogados das entidades que pleiteiam o Certificado de Entidade de Assistência Social (CEAS), ou a sua renovação, faziam contato com os conselheiros. Os advogados chegavam a elaborar o relatório de alguns dos conselheiros e até ditavam, por telefone, trechos do parecer.

A PF informou que foi constatada somente a participação de conselheiros que representam entidades da sociedade civil. Nenhum dos nove representantes do governo - que compõem metade do conselho - teria participado do esquema.

Em trechos de conversas gravadas com autorização da Justiça, a quadrilha, que se denomina "tropa de choque", reclama da posição dos representantes do governo e os chama de "conselheiros fiscalistas". Uma das estratégias era driblar a resistência dos representantes do governo principalmente em sessões de quórum baixo. O conselho é composto por 18 integrantes, nove do governo e nove indicados por entidades civis. A "tropa de choque" era composta por representantes das entidades civis.

O artifício do grupo aparece numa conversa entre os conselheiros Euclides da Silva Machado e Misael Lima Barreto. No diálogo, gravado em 22 de novembro de 2006, Machado pede autorização a Barreto para emitir voto em favor de uma determinada entidade. E explica os motivos da pressa para votar o processo naquela sessão:

- Porque somente quatro membros do governo estão presentes e vai ser uma barbada.

Um dos relatórios da PF detalha como atuava a quadrilha e revela que uma das estratégias era retirar de pauta processos e pedidos de diligência, atendendo a pedidos de advogados de entidades interessadas.

"Assim, com o objetivo de driblar as exigências do CNAS (exigências legais), que poderiam levar ao indeferimento da concessão do certificado, ou mesmo impedir a reversão de pedido já indeferido, é que conselheiros e advogados mantêm um estreito relacionamento, gerando benefícios para ambos e as entidades envolvidas. Obviamente, tais "benefícios" geram grande prejuízo ao Fisco, notadamente aos cofres da Previdência, vez que o certificado fornecido pelo CNAS isenta as entidades do pagamento da contribuição patronal incidente sobre a folha de pagamento dos funcionários", diz o relatório.

O ministro da Previdência Social, Luiz Marinho, informou que há cerca de dez mil entidades filantrópicas no país, e que o total de isenção de impostos concedidos a elas atinge o montante de R$4 bilhões por ano. A PF só descobriu a fraude após a denúncia de um dirigente de uma pequena entidade de assistência social de Sergipe, feita em 2004. O então presidente do CNAS, Carlos Ajur, o procurou e pediu propina para renovar o certificado de sua instituição. Ele procurou a polícia e contou a abordagem de Ajur.