Título: Dedo no gatilho dos juros
Autor: Novo, Aguinaldo; D'ERcole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 14/03/2008, Economia, p. 21

BC diz que cogitou elevar Selic para segurar inflação e analistas já prevêem alta em abril.

O forte ritmo de crescimento da economia pode colocar o país frente a um dilema. Apesar do aumento dos investimentos, há o risco de a oferta de produtos não ser suficiente para dar conta da demanda interna, o que levaria a um repique da inflação. Neste cenário, para economistas, a elevação da taxa de juros seria uma alternativa à disposição do governo. A ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem, reforçou a tese ao revelar que o Banco Central (BC) cogitou elevar os juros básicos na semana passada pela primeira vez desde maio de 2005 e reforçou os sinais de que a autoridade monetária está pronta para apertar a política monetária. Os especialistas já começaram a refazer cálculos e apostar que a Selic, hoje em 11,25% ao ano, será elevada em abril e talvez em outras vezes em 2008.

Até então, prevaleciam com folga as estimativas de que os juros ficariam inalterados até dezembro. O Copom se reunirá nos dias 15 e 16 do próximo mês. Para o economista-chefe do banco Itaú, Tomas Malaga, a Selic será elevada em 0,25 ponto percentual agora, devendo encerrar 2008 a 12,25%:

- Se esperar subir a inflação, será tarde para agir. O BC está trabalhando de olho nas expectativas.

Loyola: aumento da taxa seria freio suave

Parte importante do trabalho da autoridade monetária é a formação de expectativas, ou seja, levar os agentes econômicos a acreditarem que suas ações conduzirão a inflação à meta, de 4,5%. Isto orienta investimentos, aplicações financeiras e a fixação de preços (de produtos, da mão-de-obra etc). Outra parte é se antecipar às pressões que possam desviar a inflação do caminho - neste caso, o aparente descompasso entre consumo e capacidade do setor produtivo -, uma vez que a política monetária surte efeito, em média, nove meses após implementada. O crescimento de 5,4% do Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços produzidos no país) no ano passado, que terá reflexo positivo em 2008, também pesa nas expectativas, avaliam os especialistas.

O economista Gustavo Loyola, ex-presidente do BC, diz que a alta da inflação ainda representa uma ameaça para o crescimento contínuo do país:

- Vistos de hoje, os números sobre o comportamento da inflação estão sob controle. Mas é realmente difícil sustentar um ritmo tão forte de crescimento da economia. Falo ainda de uma possibilidade (o aumento dos preços), mas ela existe.

Loyola afirma que o BC deve ser rápido no ajuste dos juros.

- Uma das maneiras de assegurar o crescimento a longo prazo, é segurar a inflação. E é preferível um freio mais suave agora do que um ajuste mais forte quando a inflação estiver descontrolada. O custo seria muito pior.

O economista Luiz Gonzaga Beluzzo, da Unicamp, concorda que o BC está diante de um cenário delicado e, por isso, faz bem em não agir agora. Mas não acha que a elevação dos juros seja o melhor instrumento neste momento.

- Aumentar juros é um instrumento poderoso demais, e cego, pois afeta todos os ativos da economia - diz Beluzzo, que teme uma repetição de 2004, quando a economia desacelerou bruscamente com a retomada da alta dos juros pelo BC.

"Um ajuste da taxa básica de juros contribuiria para reforçar a ancoragem das expectativas, não apenas para 2008, mas também no médio prazo, e para reduzir o descompasso entre as trajetórias da demanda e oferta agregadas. Entretanto, prevaleceu o entendimento de que, neste momento, o balanço dos riscos para a trajetória prospectiva central da inflação justificaria a manutenção da taxa básica em seu patamar atual", diz o BC na ata.

Apesar da decisão, o BC ainda se mostra cético com a velocidade de maturação dos investimentos feitos para ampliar a produção (cujo indicador é a utilização da capacidade instalada) nas fábricas:

"Dados recentes sugerem que, embora o investimento venha contribuindo para suavizar a tendência de elevação das taxas de utilização da capacidade, não tem sido suficiente para conter tal processo."

Diante da argumentação - baseada em alertas que começaram no ano passado, antes mesmo de o BC interromper, em outubro, o ciclo de dois anos de queda da taxa Selic -, o economista-chefe da corretora Concórdia, Elson Teles, também mudou suas projeções. Ele acredita agora que a Selic voltará a subir já em abril, chegando no fim do ano a 13,25%.

Nos últimos meses, a inflação tem perdido fôlego, sobretudo devido à menor pressão dos preços dos alimentos. O IPCA, por exemplo, fechou fevereiro a 0,49%, abaixo do 0,54% de janeiro. A expectativa para o ano, no entanto, é que o indicador fique em 4,42% segundo o relatório Focus do BC, já bem próximo ao centro da meta do governo, de 4,5%. Ou seja, há pouca margem de manobra. Preocupa ainda o cenário de 2009, cuja estimativa de inflação também já está próxima à meta, em 4,30%.

Joaquim Elói Cirne de Toledo, diretor de gestão de recursos de terceiros da Nossa Caixa, afirma que o caminho para debelar a inflação seria o aperto fiscal e/ou aumento de impostos. A alta dos juros, dada também como certa por Toledo, desvalorizaria ainda mais o dólar e teria seus efeitos na inflação. Porém, ele lembra que o Ministério da Fazenda soltou anteontem um pacote para valorizar a moeda:

- Não faz sentido, o Ministério da Fazenda trabalhar para subir a cotação do dólar e desvalorizar o real e o Banco Central, ao subir juros e atrair mais capital externo, tornar o real ainda mais forte.

Para ministro, carga tributária não cresceu

Segundo cálculo do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), a carga tributária cresceu 1,02 ponto percentual em relação a 2006 e chegou a 36,08% do PIB em 2007. Mas o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, discorda do cálculo:

- Seria estranho se tivesse analista que não estivesse criticando (o suposto aumento da carga). Até porque eles ganham a vida fazendo isso. A julgar pelas matérias divulgadas hoje (ontem) é uma grande dose de chute, pois os dados do IBGE não permitem fazer esse cálculo. Se observamos, enquanto a economia cresceu 5,4% e o consumo das famílias 6,5%, o consumo do governo cresceu 3,1%. É precipitação (dizer que há aumento da carga). A arrecadação subiu porque a economia vem crescendo.