Título: Juros modelo 2010
Autor: Machado, Antônio
Fonte: Correio Braziliense, 01/05/2009, Economia, p. 13

BC corta menos a Selic para seguir cortando, sincronizado ao ciclo de boas-novas até as eleições.

O Banco Central fez o previsto e cortou apenas um ponto percentual a taxa Selic, e não o 1,5 ponto que fizera na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) anterior e defendia o empresariado, os sindicalistas e a maioria dos economistas não alinhados com o tal mercado financeiro. A Selic veio para 10,25% ao ano, ou 6% de taxa real, abatida a inflação para doze meses à frente prevista em 4%.

Foi previsível o movimento do BC tanto quanto a reação contrária. Se quando a inflação tendia a furar o teto da meta anual, 6,5% de variação (com piso de 2,5% e alvo central de 4,5%), no início do ano passado, já era ensurdecedora a gritaria contra os altos juros praticados no país, agora que os preços estão comportados e não há consumo ¿febril¿, ao contrário, é que não se faria o silêncio.

Na crítica do presidente da Federação das Indústrias de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, está a pista da trajetória cogitada pelo BC para a Selic, explicando a redução do ritmo do corte de 1,5 ponto de percentagem para um ponto no Copom da última quarta-feira e meio ponto, possivelmente, no próximo encontro, em 10 de junho.

¿A redução dos juros leva seis meses para fazer efeito¿, afirmou Skaf. ¿Se tivéssemos baixado os juros em outubro do ano passado, em abril estaríamos sentindo os reflexos. A demora contribuiu para quedas drásticas do PIB e do emprego.¿ A queda viria de qualquer jeito, repercutindo a pancada sobre o crédito no mundo, mas é fato que o BC dormiu no ponto, embora Henrique Meirelles não reconheça como erro a cautela excessiva da diretoria que preside.

A repercussão atrasada da distensão ou aperto dos juros sobre as decisões de consumo, produção, formação de estoque e investimento, no entanto, é uma via de mão dupla. No momento, ela está livre e desimpedida para servir a múltiplos interesses.

Aos do BC, que prefere avaliar sem pressa as sequelas dos juros interbancários reais cada vez menores ¿ por exemplo, sobre os fundos de investimento da banca, portanto, sobre a colocação de papéis do Tesouro, o que levará ao enxugamento do rendimento da caderneta de poupança. E aos interesses do projeto político do presidente Lula nas eleições de 2010. O mal se faz de uma vez, já dizia Maquiavel ao príncipe. O bem se serve aos pouquinhos.

Os erros se corrigem O corte abrupto da Selic agora poria a economia em ponto de bala no início do ano, acumulando-se ao forte reaquecimento do crédito, neste cenário, a imprevidência do governo ao contratar em 2008 os pesados aumentos salariais do funcionalismo e outras despesas de custeio, quando já estava visível o agravamento da crise global.

Com mais parcimônia da distensão monetária, os excessos fiscais se acomodarão sem maiores tensões, permitindo a Lula conduzir sua sucessão em meio a um cenário virtuoso ¿ noves fora uma eventual, mas pouco provável segunda onda da crise global.

Magia dos dois dígitos A ideia que vai ganhando adeptos entre os exegetas das atas do BC é que se optou por cortes menores agora para continuar cortando à frente, alongando o ciclo de distensão e, portanto, das notícias a favor, intenção diuturna de Lula, que quer sair por cima elegendo o sucessor. E conveniente também a Meirelles, que não descarta sua candidatura a alguma coisa em 2010. Ele até já incorporou o chavão dos desenvolvimentistas, pois deu para falar que o BC está fazendo política monetária ¿anticíclica¿, cortando juros na crise. Com tal discurso, além de não contrariado pela inflação, a Selic deve vir em queda. Para menos de dois dígitos, 9,75%, já no próximo Copom. Número mágico ao gosto de Lula, pois inédito. E pode cair mais.

Referência poderosa No cenário desenhado pelo economista Fernando Montero, os ventos favorecem o presidente. Como em 2006, Lula chegará a 2010, segundo ele, saindo de uma recessão, com crescimento acelerado na ponta, inflação baixa e farto gasto público. ¿Se em 2006 gastou-se com Bolsa Família e salário mínimo¿, diz Montero, ¿em 2010 será com o funcionalismo, a habitação e os municípios.¿ Mais: ¿os juros serão de um dígito, uma referência poderosa que todo mundo entende¿.

Além disso, o câmbio tranquilo, que já converge para R$ 2, trará outros estímulos eleitorais: comida barata, renda disponível e os salários reais elevados. Montero aposta que até a carga tributária estará menor em 2009. Sobrarão poucas bandeiras aos críticos e à oposição. Nem a dos juros com o BC sincronizado à agenda de 2010.

BC é o FMI de Lula Tantos quantos apostaram na caveira de Meirelles certos de que o presidente se amofinava com a ortodoxia do BC foram ingênuos. Não perceberam que a todo governo agrada um inimigo etéreo, papel que foi do FMI no passado recente e desde 2003 é do BC. Não se atentou até para o bem urdido distanciamento do BC, como se fosse um corpo estranho ao governo pela autonomia delegada, aceita por Lula para aplacar temores da banca com ingerências políticas sobre a gestão monetária. Com o tempo, se tornou conveniente. A culpa pelos juros altos é somente do BC. Em baixa, é conquista de Lula. Ele vai ser lembrado por apertar os banqueiros, não pelos males da ortodoxia.