Título: Sem perdão para pecadores
Autor: Martins, Marília
Fonte: O Globo, 14/03/2008, O Mundo, p. 28

Cada escândalo sexual nos Estados Unidos confirma aos olhos do mundo o puritanismo de um país que é capaz de destituir um governador por ter utilizado os serviços de uma prostituta, mas que não cogita a destituição de um presidente por conta do erro de uma guerra que já resultou em quatro mil americanos mortos.

Explicitado assim, não há nada do que discordar. A desproporção é tão descomunal que ultrapassa qualquer tentativa de explicação. Mas essa é apenas uma parte da história, que tem muitas outras interpretações.

Fora pequenas faltas que, geralmente, não resultam em processo judicial, o governador de Nova York, Eliot Spitzer, não cometeu qualquer outro erro, pelo menos que se saiba até agora, que pagar (e muito) por sexo. Isso foi o suficiente para que a oposição o ameaçasse com a abertura de um processo de impeachment se não renunciasse em 48 horas. Convencido de que seus próprios companheiros de partido votariam contra ele, Spitzer se foi. O fato de o ex-governador ser do Partido Democrata e a oposição, republicana, não tem qualquer valor, pois casos semelhantes já ocorreram de forma inversa. A condenação de Spitzer ultrapassa diferenças de idade, raça e condição social. O conflito que mais uma vez aparece não é ideológico, é moral e, em certa medida, político. Spitzer não é castigado por ter feito sexo com uma prostituta. Não se castiga o cliente número 9, se castiga o político em que os eleitores de Nova York haviam depositado sua confiança para acabar com o crime e a corrupção. Nova York não está escandalizada pela narração erótica dos fatos, está deprimida por causa da queda de um herói.

Geralmente, quando eleitores elegem alguém para um cargo público, sabem que estão elegendo um ser humano, um pecador, que se não está pecando naquela momento, já pecou ou pecará. Em muitos países, não se elegem heróis. Spitzer venceu com mais de 60% dos votos e era um exemplo de eficiência e honestidade. Sua voz fazia tremer tanto Wall Street quanto o crime organizado e as redes de prostituição. Sua fama era como a do Super-Homem, todos paravam para escutar o que dizia. Mas nos Estados Unidos, não se perdoam fraquezas humanas.

ANTONIO CAÑO é jornalista do ¿El País¿