Título: Tuberculose mutante no Rio
Autor: Marinho, Antônio
Fonte: O Globo, 14/03/2008, Ciência, p. 30

Bactéria freqüente na cidade pode ter maior virulência e dificultar tratamento.

Pelo menos 30% dos casos de tuberculose no Rio estão associados à infecção por uma variante da bactéria Mycobacterium tuberculosis, a principal responsável pela doença. Segundo pesquisadores, o genótipo chamado de RD Rio pode ser mais virulento e dificultar o diagnóstico e o tratamento. Ele foi identificado num trabalho de parceria entre cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC), com a UFRJ e a Universidade de Cornell (EUA). De acordo com a OMS, o Brasil está em 15º lugar entre as 22 nações com maior número de casos da doença.

Uma característica da variante RD Rio é o que cientistas chamam deleção, isto é, a perda de um segmento (0,5% do total) de DNA. Há hipótese de que isto pode ter impacto importante na transmissão e no tratamento. A deleção que caracteriza RD Rio é a maior observada até o momento na tuberculose.

¿ A RD Rio está circulando há algum tempo. Queremos saber se é mais virulenta. Esta cepa não é encontrada apenas no Rio, apesar do grande número de infecções aqui. Ela pode ser comum em outras partes do Brasil e está associada ao genótipo Latin American Mediteranean (LAM), muito presente em populações da América Latina. Também já foi identificada em Nova York ¿ diz o pesquisador Philip Suffys, do Laboratório de Biologia Molecular Aplicada a Microbactérias do IOC e um dos responsáveis por parte da investigação deste genótipo o Brasil.

Ele explica que a associação entre deleção e virulência é comum. E cita como exemplo a bactéria da lepra ou hanseníase (Mycobacterium leprae).

¿ Essa bactéria tem partes sobrando e é um dos micróbios de maior êxito ¿ afirma.

Segundo Suffys, as diferenciações entre as cepas acontecem por acaso, mas sua capacidade de sobrevivência e de infecção indicam que a deleção oferece alguma vantagem. No caso da RD Rio, não é possível confirmar ainda a virulência, a disseminação ou sintomas relacionados a este genótipo.

Bacilo confunde sistema de defesa humano

O estudo, publicado na revista ¿Journal of Clinical Microbiology¿, indicou que entre os genes da deleção faltavam dois do tipo Proline-Proline-Glutamic acid ou PPE e outros com função metabólica ou desconhecida:

¿ A ausência desses genes poderia deixar as cepas de RD Rio menos visíveis para o sistema de defesa humano. Ainda estamos no início de testes para saber as alterações que a deleção pode causar à bactéria.

Para Suffys, o estudo da RD Rio é importante porque pode levar ao melhor conhecimento sobre a interação entre parasito e hospedeiro, além de exigir um maior cuidado no diagnóstico. Por enquanto, ele acha que não é preciso rever os atuais tratamentos. Provavelmente, a deleção não terá muita influência na imunização porque a vacina BCG, aplicada ao nascer, não age apenas usando uma parte do DNA, mas boa parte do genoma para estimular as defesas. O problema seria a confirmação da maior virulência da RD Rio:

¿ Isso poderia tornar a vacina menos eficaz ou a pessoa desenvolveria uma tuberculose mais agressiva ¿ diz Suffys.

A infecção ataca principalmente o pulmão, mas pode afetar outros órgãos. A transmissão é por contato direto com o bacilo, no ar ou pelo contato com objetos contaminados. Os principais sintomas são tosse persistente com ou sem catarro, febre (mais à tarde), sudorese noturna, falta de apetite e perda de peso. Geralmente é curável se for tratada no início e o paciente seguir as recomendações médicas.