Título: O Estado, dominado pelos ricos, exclui pobres
Autor: Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 16/03/2008, O País, p. 8

INFRA-ESTRUTURA: Especialistas sugerem repensar os modos de cobrança de serviços de fornecimento de água.

Urbanista afirma que falta de acesso a infra-estrutura serve como exemplo da desigualdade social brasileira.

SÃO PAULO. O aumento das filas de espera dos brasileiros mais pobres por estrutura básica - como redes de água e esgoto - demonstrado pela pesquisa da Associação Brasileira da Infra-Estrutura e Indústrias de Base (Abdib) revela que a desigualdade de renda cresceu no país e que os mais ricos ampliaram seu domínio político. Os efeitos são globais: o aumento da poluição, a piora da saúde pública e o crescimento da violência. A avaliação é de urbanistas que estudaram o levantamento a pedido do GLOBO.

- A pesquisa é chocante, porque coloca o dedo na ferida, o aumento da desigualdade. A pesquisa é prova cabal disso. Mostra que o Estado, de modo geral, está dominado pelos mais ricos e exclui os pobres. Os efeitos são nefastos para todos - avalia o urbanista da USP (Universidade de São Paulo) Flavio Villaça, pós-doutor em geografia urbana e autor de livros sobre o espaço urbano no país.

De acordo com ele, é preciso separar o aumento quantitativo de acesso a infra-estrutura dos números relativos:

- Há 500 anos as condições de infra-estrutura só melhoram no Brasil, em números absolutos. É claro que a cada dia aumentam o saneamento, a telefonia. Mas o que importa são os números relativos. Estes, sim, mostram a realidade nacional.

Para ele, as conseqüências disso afetam todos os brasileiros - inclusive os mais ricos:

- A desigualdade de renda e de acesso provoca uma consciência imediata da pobreza. Você vê a estrutura ao seu lado, mas não tem acesso ao mínimo. Isso gera revolta. Daí, mais violência. Além disso, o aumento da poluição e a piora na saúde pública são efeitos comprovadamente diretos- disse Villaça.

Mananciais de água ficam em regiões mais pobres

O urbanista Ivan Maglio, da Faculdade de Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), especializado em saúde ambiental, frisou que os governos federal e estaduais precisam instalar com urgência políticas diferenciadas para acabar com as filas por estrutura básica.

- São exatamente as famílias com renda inferior a três salários mínimos que moram nas periferias. O detalhe é que, em grande escala, é nessas periferias que estão os mananciais. Como elas não têm como pagar pelo saneamento, estão ficando sem ele e, automaticamente, aumentando a poluição dos mananciais - disse Maglio.

Para ele, a maioria das empresas de saneamento do Brasil tem buscado o subsídio cruzado: compensar tarifas mais caras com as mais baratas para os mais pobres. Para o urbanista, o modelo precisa ser modificado:

- Talvez seja o momento de pensar em um subsídio para universalizar serviços. É preciso repensar os modelos de cobrança. A faixa mais crítica da população não tem como bancar o custeio das melhorias.