Título: Pedido de vista hoje atrasa 271 processos no STF
Autor: Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 16/03/2008, O País, p. 10

Prazo máximo oficial para ministro analisar ações é de um mês, mas elas ficam paradas por até dez anos

BRASÍLIA. No Supremo Tribunal Federal (STF), a regra é clara: se um ministro fica em dúvida sobre aspectos do processo durante o julgamento, pode pedir vista e levar os autos consigo para pensar melhor no assunto. A ação deve ser devolvida à Corte em no máximo 30 dias. Mas a realidade é bem diferente. Hoje, os pedidos de vista paralisam 271 julgamentos que, na prática, não têm data prevista para serem retomados. A situação mais crítica foi registrada em duas ações que estão esquecidas por mais de dez anos em prateleiras empoeiradas. A primeira temporada durou oito anos no gabinete do então ministro do STF Nelson Jobim. Há dois anos, pouco antes de se aposentar, Jobim levou o caso de volta ao plenário, mas o julgamento foi novamente interrompido por Marco Aurélio Mello.

As ações foram movidas por donos de imóveis que pediam a correção dos valores do aluguel conforme as regras de juros criadas no Plano Real. Os inquilinos se recusavam a obedecer às novas normas, pois os contratos haviam sido assinados antes do Real. Os processos chegaram ao STF em maio de 1997. O relator sorteado foi Carlos Velloso. No mês seguinte, ele levou o tema ao plenário e Jobim pediu vista. O voto de Jobim só ficou pronto em março de 2006, quando o julgamento foi retomado. Mas Marco Aurélio pediu nova vista. No último dia 7, o ministro devolveu os autos para o plenário, mas ainda não há previsão de quando eles voltarão a ser analisados.

Gilmar Mendes é o campeão de pedidos

Hoje é de Gilmar Mendes o título de maior detentor de pedidos de vista. Ele mantém 51 processos nessa situação. Em abril, ele assumirá a presidência da Corte e acumulará a tarefa de administrar o tribunal. O segundo lugar é de Cezar Peluso, com 40 processos, que será o vice-presidente. O terceiro é de Ricardo Lewandowski, com 31 pedidos. O mais antigo ministro do tribunal, Celso de Mello, é quem menos tem processos nessas condições: guarda apenas quatro em seu gabinete.

- É legítimo o direito de pedir de vista. Demonstra que o ministro quer refletir mais - defende Celso de Mello.

O mais novo dos 11 ministros, Carlos Alberto Direito, chegou ao tribunal em setembro de 2007 e tem cinco pedidos de vista, os dois últimos deste mês. No dia 5, interrompeu o julgamento sobre o uso de células-tronco em pesquisas científicas. No dia 10, o alvo foi uma ação sobre a legalidade da prisão de credores. Direito também é responsável por 13 processos suspensos a pedido de Sepúlveda Pertence, que se aposentou ano passado e abriu a vaga no STF.

Sepúlveda disputava com Jobim a liderança no quesito demora para devolução de vista. Em outubro de 1999, interrompeu o julgamento de uma ação declaratória de constitucionalidade proposta pelos presidentes do Senado, da Câmara e da República sobre salários de servidores públicos. O ministro aposentou-se no ano passado sem antes apresentar um voto. Agora, a responsabilidade foi transferida para Direito.

Os excessos cometidos pelos ministros que não se preocupam em levar o processo interrompido de volta ao plenário fez com que o ex-presidente do tribunal Maurício Corrêa editasse uma resolução sobre o tema em 2003. O texto limita a vista a dez dias. O prazo pode ser renovado por duas vezes, desde que a presidência do tribunal concorde com as razões apresentadas pelo ministro. Um dos artigos diz que, terminado o prazo, o presidente do tribunal ou da turma que estava julgando a ação "requisitará os autos e reabrirá o julgamento do feito na segunda sessão ordinária subseqüente, com publicação em pauta".

Outro dispositivo anuncia que "as coordenadorias de sessões deverão manter rigoroso controle dos processos e prazos ora estabelecidos, devendo entregar ao respectivo presidente, a cada sessão, relatório circunstanciado a respeito". O controle rigoroso não existe e, como não há punição prevista para o ministro que descumprir os prazos, alguns casos ficam engavetados por anos. No tribunal corre a máxima de que "quem pede vista vota a prazo".

Marco Aurélio comprou briga com Joaquim Barbosa

Desde 2006, as rédeas ficaram ainda mais frouxas. A atual presidente do tribunal, Ellen Gracie Northfleet, mudou o texto da resolução. Não é mais tarefa da presidência da Corte obrigar o ministro a devolver a ação. Agora, cabe à presidência apenas cobrar dos ministros o cumprimento dos prazos - o que também não ocorre na prática.

Apesar de ter segurado o voto por dois anos nas ações sobre o reajuste de aluguéis, Marco Aurélio não costuma demorar com vistas. Sua assessoria informa que, em média, o tempo que o ministro leva para devolver um processo ao julgamento é de 3,2 meses. No dia 7 de novembro do ano passado, quando o plenário tentava traçar o destino do ex-deputado Ronaldo Cunha Lima (PSDB-PB), acusado de tentativa de homicídio, Marco Aurélio pediu vista dos autos e provocou a revolta do relator, Joaquim Barbosa:

- Esse processo tramita há 14 anos. Estamos diante de um acusado que já ultrapassou 70 anos. Estamos no limiar na prescrição do crime. A Corte tem que enfrentar esse caso.

- A vista é regimental. Não costumo transformar pedido de vista em perdido de vista. Não levarei dois meses com o processo - declarou Marco Aurélio, que devolveu o caso um mês depois.

Na semana passada, Marco Aurélio espantou-se com reportagem do GLOBO que o apontava como o ministro que mais tinha pedidos de vista: ao todo, 97. Para fugir da pecha, apressou-se a devolver a maioria para julgamento. Agora, tem em mãos apenas 11. Os casos apresentados são sobre telefonia fixa. Tratam da polêmica cobrança de assinatura básica mensal e do direito do usuário ver especificadas nas faturas todas as ligações com suas durações. Ainda não há previsão de data para as ações serem incluídas na pauta do STF.