Título: Brasileiros vivem sob tensão na Espanha
Autor: Guilayn, Priscila
Fonte: O Globo, 16/03/2008, O País, p. 12

Em situação irregular, 60 mil pessoas saem às ruas com medo de ser detidas nas freqüentes operações da polícia.

MADRI. O alívio dos que, tendo a intenção de viver irregularmente na Espanha, conseguem passar pelo controle de imigração do Aeroporto Internacional de Barajas não dura muito tempo. A polícia está pelas ruas, uniformizada ou à paisana, e constantemente faz batidas em lugares que os imigrantes freqüentam ou onde trabalham. Foram expedidas cerca de 7 mil cartas de expulsão de brasileiros no ano passado. O medo faz parte da rotina de boa parte dos cerca de 60 mil brasileiros sem papéis, que vivem de casa para o trabalho e do trabalho para casa, receosos de serem detidos e repatriados.

- O medo é real e muitos vivem de casa para o trabalho, escolhendo o melhor horário para pegar o metrô. Há muita gente com uma carta de expulsão ou até com cinco! Uma menina, que entrevistei para minha pesquisa, foi ao cinema à noite e, na saída, já entrou diretamente em um camburão. A polícia estava na porta - conta o demógrafo Duval Fernandes, professor de pós-graduação da PUC, que esteve na Espanha fazendo uma pesquisa sobre a imigração de brasileiros.

Luciana Silva, de 22 anos, é uma das brasileiras que evita o metrô. Ela e seu marido, Márcio, de 33 anos, chegaram de Ceres, em Goiás, há quase dois anos. Ele não tem trabalho fixo, mas faz bicos (prega rótulos adesivos em carros de empresa). Ela é diarista na casa de compatriotas que vivem legalmente na Espanha. Juntos, conseguiram comprar um lote em sua cidade natal, enviando cerca de 600 euros por mês. Agora, já pensam comprar outro.

- Aqui dá para viver melhor. O problema é que a gente precisa estar alerta. Na saída das bocas de metrô sempre têm policiais e, se te pegam, não tem escapatória. Então, nos acostumamos a ir de ônibus, porque você vê pela janela se dá para descer ou não. Meu marido corre mais risco que eu, porque já tem uma carta de expulsão. Não estamos nem saindo à noite para discotecas nem nada. A polícia está por toda parte - conta Luciana.

Júlio (nome fictício), de 33 anos, músico, já recebeu uma carta de expulsão e convive diariamente com o receio de ser novamente detido. Ele paga 600 euros por mês pelo aluguel de uma quitinete de dez metros quadrados no Centro de Madri, onde mora com a mulher, também brasileira. Para completar a renda e mandar algum dinheiro para os dois filhos que ficaram no Rio, Júlio vende salgadinhos.

Ele chegou à Espanha em junho de 2004 e, mesmo estando em situação irregular, já viajou duas vezes de férias para o Brasil. A situação de Júlio mudou há pouco mais de um ano, quando, durante uma turnê, a van com 12 músicos foi parada pela polícia. Seis deles foram detidos, entre eles Júlio, que passou uma noite na prisão.

- Tivemos que assinar um montão de papéis, sem advogado, sem tradutor, sem nada. Tiraram nossas digitais e fotos de cada uma das minhas cinco tatuagens. Trataram-me como bandido. Depois, puserem nossos pertences num envelope e nos levaram para uma cela. Na manhã seguinte, chegou um advogado. Tivemos que assinar mais uma meia dúzia de papéis e nos liberaram, dando-nos uma carta de expulsão - conta Júlio. - De lá para cá, vivo de casa para o trabalho. Sou carioca e sei muito bem que não posso andar na rua assustado, senão os policiais percebem. Mas a tensão é constante.

Mas vale a pena viver nesta tensão constante?

- Vale. É duro dizer isso, mas eu aqui, mesmo vivendo nessas condições, tenho mais trabalho e melhor nível de vida do que vivendo no Brasil. Se eu conseguir driblar esta questão jurídica com um bom advogado, pretendo trazer meus filhos para morar conosco - diz Júlio.

Quem recebe uma carta de expulsão deve recorrer em até 30 dias à Administração Pública ou, em até 60 dias, ao Tribunal do Contencioso. Os brasileiros que não apelam e insistem em continuar morando na Espanha correm um sério risco de, seis meses depois, ser novamente detidos e levados aos Centros de Internamento de Imigrantes, famosos pelas péssimas condições nas quais mantêm os estrangeiros em situação irregular. De lá, costumam ser deportados para o Brasil. Se isso não ocorre em 40 dias, a lei espanhola determina que sejam liberados.

- Aumentou muito o número de cartas de expulsão de 2006 para 2007 - diz a advogada Glaucinira Maximino da Costa, uma das fundadoras da Associação Brasileira de Assistência aos Estrangeiros, com sede em Barcelona.

- Depois que o advogado recorre, o brasileiro deve andar com o comprovante do recurso no bolso, para mostrá-lo à polícia. Demora, às vezes, dois, três ou quatro anos, para sair a resposta. Mas tem gente que, por ignorância, rasga a carta e joga fora, pensando que ela prescreve em seis meses, e não é assim.

O músico carioca Roberto Biela, de 46 anos, anda com seu recurso no bolso. Ele chegou a Madri há sete meses. Em janeiro, foi detido e recebeu a carta de expulsão. Desde então, a polícia o parou três vezes.

- Eu mostrei meu passaporte e o recurso, eles checaram pelo rádio se estavam em ordem, e me liberaram. Quando terminar esse processo administrativo, darei entrada no meu pedido de visto de residência, porque uma empresa vai me contratar como músico.

Brasileiros que moram legalmente na Espanha têm opiniões diversas sobre a perseguição à imigração irregular. Há os que se penalizam da situação dos compatriotas e os que consideram que, "em nome da imagem e da dignidade dos brasileiros", o controle deve ser rigoroso.

- Tem chegado gente que nunca saiu da cidadezinha onde mora. Chegando à Espanha, estão vulneráveis às máfias. Elas vivem aqui em condições indignas e aceitam qualquer coisa, até prostituir-se. Isso destrói a imagem dos brasileiros, cuja maioria, legal ou ilegal, é trabalhadora e honesta, mas acaba sendo perseguida como se fosse bandida - opina o baiano Gilson Santos, dono de uma pequena empresa de pintura de paredes.