Título: Lanterna do IDH alto, no topo do Imposto de Renda
Autor: Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 16/03/2008, Economia, p. 29
Alíquota da classe média no Brasil supera à de países desenvolvidos.
Na 70ª posição entre as nações de maior desenvolvimento humano, o Brasil tributa mais sua classe média do que países com indicadores de saúde, educação e renda bem superiores aos nossos. Levantamento feito pela consultoria Ernst & Young em 32 de seus escritórios pelo mundo constatou que, no Brasil, a alíquota nominal de Imposto de Renda (IR) aplicada à classe média - de 27,5% - é superior ao praticado em seis dos sete países que lideram a lista dos maiores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), entre eles Islândia, Canadá, Suécia e Suíça.
A partir de dados sobre educação, renda e saúde, o IDH mede a qualidade de vida por parâmetros que vão além da mera riqueza econômica. O Brasil entrou ano passado no seleto grupo de países com alto IDH, ao superar a pontuação de 0,80 neste índice. Mas, enquanto na elite do alto desenvolvimento humano ainda somos o último da fila, em pagamento de IR, estamos à frente.
Ao comparar a incidência do Imposto de Renda nas nações de alto IDH, a pesquisa da Ernst & Young levou em conta a cobrança federal (em alguns países a renda dos contribuintes também é tributada por estados e municípios). E considerou a alíquota aplicada à faixa de renda considerada de classe média em cada uma dessas economias.
- O IDH reflete a educação e a saúde. Nos países desenvolvidos, esses serviços públicos são de alto nível e proporcionam retorno, à sociedade, da tributação elevada. Aqui o imposto é alto mas este retorno não é visível - afirma Tatiana Ponte, sócia do Departamento de Capital Humano da Ernst & Young para a América do Sul.
Tributarista vê erro na calibragem do IR
Percepção semelhante tem o engenheiro Gustavo Badauy. Depois de fazer as contas e lançar todas as deduções possíveis em seu ajuste com a Receita, descobriu que terá um reembolso de apenas R$16,48 este ano. E sua mulher terá que pagar cerca de R$300 de IR. Isso após o casal ter sido descontado, ao longo do ano, em cerca de R$35 mil em seus salários.
- Sou obrigado a pagar um plano de saúde porque os hospitais públicos não funcionam. Pelo menos 20% de meu salário vão para um plano de previdência, porque não dá para confiar na aposentadoria pública. Não há escola pública decente, então tenho que pôr minha filha num colégio particular. E a dedução anual por dependente é de pouco mais de R$1.500. Como se desse para sustentar um filho com R$130 por mês - queixa-se.
Na Islândia, país que lidera o ranking mundial do IDH, há uma alíquota única de IR, de 23,75%. O analfabetismo entre jovens e adultos com mais de 15 anos é próximo de zero e a expectativa de vida de um islandês ao nascer é de 81,5 anos. A renda per capita supera US$35 mil. No Brasil, o rendimento médio é de US$8.402, mais de 10% dos jovens e adultos são analfabetos e a longevidade é de 71,7 anos. Mas, aqui, a alíquota de IR que incide sobre a classe média é de 27,5%.
A Receita Federal contesta o critério de alíquota nominal para comparar o IR da classe média em diferentes países. Segundo o Fisco, os 27,5% não refletem "o imposto efetivamente pago pelo contribuinte e não serve para afirmar que o contribuinte brasileiro paga mais ou menos em relação aos seus pares de outras nações".
A Receita diz que o IR no Brasil é progressivo. Ou seja, mesmo os contribuintes com renda superior a R$2.700 têm parte de sua renda isenta (na faixa até R$1.372,81 na tabela de 2008, ou R$1.313,69 pela tabela de 2007, referente ao ajuste anual de agora). Outra parcela da renda destes contribuintes paga 15% de IR. Com isso, segundo a Receita, no conjunto de contribuintes do Brasil, a alíquota efetiva média está em torno de 10%.
O economista Salvador Werneck, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), estima que um cidadão médio brasileiro pague uma alíquota efetiva em torno de 15%. Além da progressividade do IR, há possibilidades de deduções, diz Werneck.
- Na saúde, por exemplo não há limites para deduções.
Tatiana Ponte, da Ernst & Young, ressalta que como a maioria dos países com alto IDH também adota tabela progressiva, a comparação com base na alíquota nominal (e não na incidência efetiva do imposto) dá uma medida do peso do IR federal no Brasil frente a essas nações.
Gilberto Braga, professor de planejamento tributário do Ibmec, lembra que além de pagar por serviços públicos que não usa, a classe média brasileira ainda sofre com o que chama de "empréstimo compulsório ao governo". A maioria dos assalariados é descontado do Imposto de Renda na fonte e, no ajuste anual, recebe uma restituição, ou seja, um dinheiro que ficou "emprestado" ao governo federal.
- O número elevado de restituições mostra que há um erro na calibragem do Imposto de Renda para a classe média - afirma Braga.
Professor se queixa por pagar R$52 mil
O professor universitário José Ribas Vieira não sente os efeitos desse "empréstimo compulsório". Em compensação, ao acertar as contas com a Receita, percebe o peso do Leão. Como dá aulas em quatro universidades, seus contracheques são de valores baixos e incidência menor de imposto na fonte. Mas quando soma seus rendimentos anuais, entra nas alíquotas mais altas de IR e paga mais à Receita. Em 2007, foi descontado em R$20 mil de IR. E, agora, no ajuste anual, terá de arcar com outros R$32 mil.
- Exerço função educacional e sou punido pelo sistema tributário brasileiro. Pago plano de saúde, cursos dos filhos, sem contar meus instrumentos de trabalho. Compro livros importados caros e não dá para abater no IR - lamenta Vieira.
DIVERGÊNCIAS SOBRE NOVAS ALÍQUOTAS, na página 30