Título: Conta de luz subsidia de desperdício de R$5 bi
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 16/03/2008, Economia, p. 32

Aneel denuncia que Eletrobrás paga 30% mais à BR por combustível para térmicas do Norte. Estatais rebatem.

Ramona Ordoñez

A Eletrobrás está pagando caro demais pelo combustível que alimenta as usinas termelétricas que geram energia para a Região Norte, uma das mais pobres do país. A denúncia é da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que acusa a Eletrobrás de pagar cerca de 30% mais ¿ em relação ao que é cobrado por empresas locais ¿ pelo combustível que recebe da Petrobras Distribuidora (BR) para movimentar essas usinas. Pelas contas da Aneel, nos últimos cinco anos, o gasto adicional teria sido de R$5 bilhões.

Esses recursos não saem do caixa da Eletrobrás, apesar de ela administrar o dinheiro. Vêm de um rateio de toda a sociedade. Como o custo da geração de energia elétrica na Região Norte é muito elevado, a legislação do setor prevê um subsídio que é bancado por todos os consumidores de energia do país. Esse valor é cobrado na conta de luz: é a Conta de Consumo de Combustíveis (CCC), que representa 3,2% do valor da conta. É com esse dinheiro que é comprado o diesel e o óleo combustível para as usinas.

O diretor-geral da Aneel, Jerson Kelman, disse ao GLOBO que, no último dia 27 de fevereiro, encaminhou ofício ao Ministério de Minas e Energia para retirar a gestão da CCC da Eletrobrás. Kelman argumenta conflito de interesses, uma vez que a Eletrobrás é a gestora da CCC e também é controladora de diversas outras empresas que geram e distribuem a energia no Norte ¿ as beneficiadas dos recursos da conta.

Questão não é só de preço, defende-se a Eletrobrás

A Eletrobrás, por sua vez, defende-se. Diz, por meio de nota, que só administra os recursos da CCC mas não é a compradora do combustível. Essa tarefa ficaria a cargo de cada distribuidora de energia. A Aneel rebate e diz que a Eletrobrás emite as ordens de compra em nome das distribuidoras de energia para a BR.

A Eletrobrás argumenta ainda que não é possível analisar a questão só sob o ponto de vista do preço: o combustível é ¿vital para os habitantes da Região Norte¿ e fundamental para a geração de energia na região, destaca a nota.

Além disso, a Eletrobrás, no seu texto, não poupa elogios à BR e ao seu sistema de logística de entrega do produto. Fala abertamente da ¿confiabilidade¿ da BR na entrega dos combustíveis a regiões distantes na Amazônia. Segundo a Eletrobrás, é necessária uma infra-estrutura que outras concorrentes da BR não dispõem.

¿Uma eventual interrupção no suprimento pode colocar em risco o atendimento a Manaus, a maior cidade do Sistema Isolado. Manaus tem hoje o quarto maior PIB do Brasil¿, argumenta a Eletrobrás.

Também por meio de nota, a BR informa que o Tribunal de Contas da União (TCU) já realizou uma auditoria no ano passado e concluiu que, como não há controle de preços, a distribuidora (a própria BR) tem o direito de vender seus produtos e fixar seus preços ¿independentemente de quem seja o comprador¿.

A Aneel não pensa assim e já multou a Eletrobrás em R$12 milhões em agosto de 2006 por má gestão da CCC. Até o momento, não viu a cor do dinheiro porque a Eletrobrás recorreu.

Segundo levantamento da Aneel, só no ano passado, a Manaus Energia (Mesa), subsidiária da Eletrobrás, pagou pelo óleo combustível o preço médio de R$1,36 o quilo do óleo combustível, contra o preço médio de R$0,80 cobrados no mercado local, segundo dados da Agência Nacional do Petróleo (ANP).

¿ Como nada aconteceu desde a autuação em 2006, quando aplicamos a multa à Eletrobrás, vamos também iniciar uma profunda fiscalização nos gastos da CCC ¿ disse Kelman ao lembrar que, em fevereiro do ano passado, já tinha solicitado a retirada da Eletrobrás da administração da conta.

Pelas contas da Abradee, desperdício é de 70%

As divergências entre Aneel e Eletrobrás não são só sobre preço, mas também sobre tamanho do mercado. A Aneel estima que o consumo de energia na Região Norte deve crescer cerca de 6,8% este ano. Para atender a esse crescimento, serão necessários R$3 bilhões de arrecadação na CCC. A Eletrobrás, no entanto, calcula que o crescimento do consumo será de 12,7% e portanto serão necessários R$3,8 bilhões.

O diretor da Aneel vai mais longe: se a compra dos combustíveis fosse feita de forma mais competitiva, os gastos deste ano poderiam cair de R$3 bilhões para R$2 bilhões.

¿ Não nos conformamos, como fiscais e defensores dos consumidores. Para quem compra quantidades gigantescas de diesel e óleo combustível haveria oportunidade de comprar a granel, mais barato ¿ destacou Kelman.

O diretor de Regulação da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Fernando Maia, por sua vez, destaca que o subsídio tem que ser mantido para não prejudicar a população da Região Norte, mais pobre. Maia, no entanto, defende que seria preciso estimular o aumento da eficiência das térmicas. Atualmente, diz ele, do combustível usado nas usinas, só 30% geram efetivamente energia. O resto é desperdiçado porque as usinas têm equipamentos ineficientes.

¿ O ideal seria uma eficiência da ordem de 50% ¿ diz o diretor da Abradee ao calcular que o aumento da eficiência das térmicas aliado à compra de combustíveis a preços menores poderia reduzir os gastos deste ano à metade, de R$3 bilhões para R$1,5 bilhão. Se fosse assim, o valor pago na conta de luz seria bem menor.

Para tentar reduzir os custos, a Eletrobrás informa que a Eletronorte, sua subsidiária, vai realizar, em abril, licitação para compra de combustíveis para atender a Região Norte. No entanto, como a Eletrobrás estima que, para este ano, seriam necessários R$3,8 bilhões na CCC (a Aneel prevê R$3 bilhões), deve haver déficit. Neste caso, a estatal arcaria com a diferença.