Título: Tecnologia emperra construção naval
Autor: Paul, Gustavo
Fonte: O Globo, 16/03/2008, Economia, p. 32

Estudo aponta desafios para indústria brasileira se tornar competitiva.

BRASÍLIA. O setor de construção naval ainda precisa vencer uma série de desafios para se tornar competitivo, dar conta da demanda interna nos próximos anos e, de quebra, ganhar o mercado externo para manter o crescimento. As conclusões, de um estudo feito pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), ligada ao Ministério do Desenvolvimento, mostram que o otimismo presidencial pode ser precipitado ¿ recentemente, no Rio, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva comemorou o fato de a indústria naval estar recuperada e crescendo.

Feito para subsidiar as discussões a serem realizadas na Câmara de Desenvolvimento da Indústria Naval, o texto serve como alerta para o governo e os empresários. Um dos principais problemas identificados é o tecnológico. Segundo a ABDI, considerando-se os índices globais de avaliação estabelecidos pela consultoria First Marine International, estima-se que o Brasil trabalhe com valores entre 1,8 e 2,5, em uma escala até 5. Significa que, em média, o parque naval brasileiro ainda usa a tecnologia da década de 1960 e do início dos anos 70. O ideal seria que o nível tecnológico chegasse a 3,5, que representará adotar os avanços dos anos 80.

O Sindicato da Indústria da Construção Naval (Sinaval) afirma que essas comparações levam em consideração realidades específicas, ¿de países mais adiantados, com indústrias navais consolidadas¿. Segundo o presidente da entidade, Ariovaldo Rocha, já há estaleiros de primeira linha no país:

¿ O Keppel Fels, em Angra dos Reis, pode ser considerado de nível 5, e o Atlântico Sul (que está sendo construído em Suape, Pernambuco) será um estaleiro com escala tecnológica semelhante.

Outro ponto crítico é a falta de mão-de-obra. À medida que os navios começarem a ser feitos, faltarão soldadores, eletricistas, caldeireiros e instrumentistas. O setor vive um impasse: ¿É difícil e caro capacitar um contingente grande de mão-de-obra para um momento futuro que pode ser incerto¿, diz o estudo. A solução sugerida é a criação de um plano de capacitação de mão-de-obra associado à evolução das obras.

Rocha lembra que, para atender à demanda atual, já há um programa de qualificação do qual participam Senai e Sebrae:

¿ Muitos estaleiros também desenvolveram suas unidades de treinamento e qualificação, de maneira que um anunciado apagão de soldadores qualificados foi evitado.

Estudo mostra que setor tem lei favorável e incentivos

O estudo ressalta que os incentivos à construção naval brasileira são evidentes. Há um volume grande de recursos exclusivos ¿ do Fundo de Marinha Mercante ¿, uma legislação protecionista e, sobretudo, um esforço governamental relativamente coordenado. Ainda assim, existe uma demanda por navios que não se concretiza.

Com R$7,2 bilhões em pedidos de financiamento para o setor em trâmite, o BNDES aponta a principal dificuldade na obtenção dos recursos: a precária saúde financeira de muitos estaleiros, endividados e sem lastro em ativos para qualquer garantia. Os estaleiros com baixo patrimônio líquido não podem assegurar a construção nos termos do BNDES, que exige patrimônio de 130% do valor do projeto. De acordo com o texto, o histórico de calotes contribui para o ambiente de desconfiança.

O BNDES tem procurado diferentes formas de viabilizar os empreendimentos, por meio da repartição de riscos entre o banco, estaleiros e armadores, como no financiamento dos navios da Transpetro.

Uma análise da demanda por embarcações indica que, entre 2005 e 2015, o país precisará de 332 novos navios. Historicamente voltado para o mercado interno, o parque industrial tem vantagens que podem ajudá-lo a atender a essa demanda e até pleitear um lugar ao sol no mercado internacional. Segundo o estudo, o custo da mão-de-obra brasileira é baixo em relação ao dos principais países construtores, como Coréia, Japão, Cingapura e países europeus. Outro bônus é a base tecnológica da indústria metal-mecânica, comparável à dos maiores construtores.