Título: Na fronteira, vizinhança com a crise e as Farc
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 16/03/2008, O Mundo, p. 38
Incidente entre Colômbia e Equador elevou tensão de militares brasileiros e suas famílias em base no Amazonas.
VILA BITENCOURT (AM). A bordo do Amazon C-105 da Força Aérea Brasileira, o sargento do Exército Edilberto Soares da Rocha Filho, de 29 anos, e sua mulher Juliana, 23, eram só chamegos e sorrisos na tarde de sexta-feira. Depois de nove meses isolados na base do Exército em Vila Bitencourt, à beira do Rio Japurá, fronteira com a Colômbia, o jovem casal finalmente voltava para a civilização na cidade de Tabatinga, 700 quilômetros ao sul da vila. Como se não bastassem as privações da vida na floresta, o casal teve um elemento de tensão a mais no último mês. A crise desencadeada pelo ataque de forças colombianas a guerrilheiros escondidos no Equador causou temor e preocupação entre os militares brasileiros que atuam na linha de frente e seus familiares.
- Fiquei preocupada - admitiu Juliana. - Eles sempre fazem reconhecimento de fronteira, e as informações sobre a crise me deixaram assustada.
Ele foi mais cauteloso.
- Recebemos informações dos superiores para ficarmos de prontidão - disse Rocha Filho.
Em 2006, incidente com o Exército colombiano
Oficialmente, o Exército nega que a possibilidade de conflito entre Colômbia e Equador, debelada na última semana com um aperto de mão entre os presidentes Álvaro Uribe e Rafael Correa, tenha provocado mudanças na rotina. Segundo fontes militares, no dia 2, um dia após o ataque colombiano, as tropas entraram em alerta. Mas notícias sobre a possibilidade de guerra no país vizinho mexeram com a cabeça dos jovens soldados, que, armados com seus velhos fuzis FAL, com mais de 40 anos de fabricação, cumprem a função de dar o primeiro combate em caso de invasão do território brasileiro.
- Aqui a gente está sempre alerta por se tratar de área mais crítica. Ficamos no suspense de que o conflito pudesse respingar no nosso país - disse o soldado Sandro Ribeiro Paredes.
Das quatro unidades comandadas pelo 8º Batalhão de Infantaria da Selva (8º BIS), sediado em Tabatinga, a base de Vila Bitencourt é a que fica mais ao norte e mais próxima da área de ação da guerrilha. Sua função é controlar o fluxo de embarcações na calha do Rio Japurá, que nasce na Colômbia e invade o Brasil. O rio é um dos principais canais de escoamento de cocaína comercializada pelas frentes 8, 43 e 45 das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). A 30 quilômetros dali, na antiga base do Rio Traíra, ocorreu o maior conflito entre tropas brasileiras e as Farc, quando três soldados foram mortos no dia 26 de janeiro de 1991.
Na vila vivem cerca de 750 pessoas, entre efetivos do Exército, suas famílias e ribeirinhos. Para driblar o tédio, as mulheres dos soldados inventam churrascos e jantares. Existe apenas um armazém, cujo dono vive às turras com o Exército devido à fiscalização da entrada e saída de produtos. A educação das crianças é à distância, pela internet. As únicas vias de acesso são o C-105, que descarrega mantimentos uma vez por mês, e o rio, cujo trajeto até Tabatinga pode durar quase um mês.
A isso é somado o estresse pela possibilidade de contato com as Farc. Pequenos incidentes são freqüentes, como o registrado no final de 2006, quando uma embarcação com homens fardados passou direto pela barreira e foi capturada pelas tropas brasileiras. O comportamento inabitual levantou a suspeita de que se tratava de guerilheiros. O grupo foi levado para a base e teve que provar ser parte do Exército colombiano.
Segundo o coronel Antonio Elcio Franco Filho, comandante do 8º BIS, o incidente chegou a provocar reações por parte das autoridades colombianas, mas foi logo contornado.
- Inicialmente ameaçaram criar caso, depois reconheceram que estavam errados. Eles estavam desrespeitando nossa soberania - disse o coronel.
Apesar de todas as dificuldades, a base da Vila Bitencourt é uma das preferidas pelos militares que procuram ação. Perguntado se estava feliz em deixar o local, Rocha Filho, com os olhos marejados, foi taxativo: