Título: Hospitais em situação precária
Autor: Cardoso, Alexandre Pinto
Fonte: O Globo, 15/03/2008, Opinião, p. 7

Quem chega ao Rio de Janeiro e vê de longe uma imensa estrutura de concreto se destacando no meio da Ilha do Fundão, talvez não saiba que, mais que um dos mais importantes centros de formação de recursos humanos na área de saúde do país, o Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF/UFRJ) já foi o sonho acalentando por dezenas de gerações que lutaram mais de meia década pela sua construção. Completando 30 anos neste mês de março, pouca gente sabe também que, mais do que um sonho, o hospital é, hoje, uma realidade presente no cotidiano de milhões de pessoas que dependem de seu funcionamento pleno; desafiando um sistema de financiamento ineficiente para uma unidade que se caracteriza não somente pela alta complexidade, mas pela excelência do ensino e da pesquisa.

Campo de treinamento para estudantes de graduação nas áreas de medicina, enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia e serviço social, o hospital realiza, por mês, mais de 25 mil consultas, 100 mil procedimentos diagnósticos e cerca de 800 cirurgias. É responsável, também, pelos mais de 10 mil alunos que participam de seus programas de pós-graduação e, em 2007, seu Comitê de Ética analisou mais de 300 projetos de pesquisa.

Certificado pelo Ministério da Saúde (MS) e pelo Ministério da Educação (MEC), o hospital tem um contrato de gestão com o SUS através do município e é avaliado trimestralmente por um conselho gestor externo. O MEC se responsabiliza por cerca de 70% dos seus recursos humanos, e o restante é pago pelo próprio hospital, com recursos de custeio, a terceirizados e cooperados; uma operação que compromete os investimentos em insumos, dificulta a realização de contratos de manutenção e gera desabastecimento e endividamento.

Os recursos de custeio são, dominantemente, oriundos da prestação de serviços ao SUS que, diga-se de passagem, não são reajustados desde 2004 e esbarram no teto destinado ao nosso estado. Com esses recursos - que em 2007 chegaram a um montante de cerca de R$52 milhões - realizamos o desafio de gerir o hospital, destinando cerca de R$14 milhões para pagamento de pessoal extra quadro.

Existe, hoje, um importante déficit de pessoal do quadro permanente de todos os hospitais universitários e não há no horizonte possibilidade de realização de concurso público para o atendimento dessa demanda: cerca de 20 mil profissionais para suprir os 47 hospitais ligados ao MEC em nível nacional e 600 para atender às necessidades do hospital Clementino Fraga Filho.

Por outro lado, para adquirir novos equipamentos e recuperar a capacidade instalada, recorremos ao Fundo Nacional de Saúde - como aconteceu recentemente com os recursos utilizados para a compra da Ressonância Nuclear Magnética - e concorremos em editais variados abertos pelas agências de fomento (Faperj, Finepe e o próprio MS) - situação também usada para captar recursos que serviram para a recém-instalada Unidade de Pesquisa Clínica.

Urge adotarmos uma solução perene que conjecture toda essa situação atual. Existem, hoje, dois caminhos: o primeiro, seria estabelecer um orçamento para investimento e capital e um orçamento de custeio básico com recursos do MEC, mais a contratualização com o SUS (MS); considerar quadro próprio de pessoal para o hospital - não incluídos os docentes; e, para atender à demanda atual, realizar um concurso emergencial sob forma de medida provisória com acordo de líderes no Congresso Nacional. O segundo caminho, mais difícil e longo, seria transformar os hospitais universitários em fundação de direito privado; discussão que vem sendo realizada no Parlamento, mas que, talvez, os hospitais não consigam aguardar tanto tempo pelo seu desfecho.

Novos desafios devem aparecer nos próximos trinta anos e acreditamos que é possível vencê-los, como fizemos até aqui, com o esforço continuado do nosso corpo social. Por acreditar nesse sonho, um serviço público de qualidade, que perseveramos em meio às dificuldades em benefício de um sem-número de pessoas que há tempos já diferenciaram o valor de cada um de nossos profissionais.

ALEXANDRE PINTO CARDOSO é diretor-geral do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro.