Título: BC americano socorre banco
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Fonte: O Globo, 15/03/2008, Economia, p. 35

AMEAÇA GLOBAL

Clientes do Bear Stearns correram para sacar dinheiro. Operação derruba bolsas

NOVA YORK, WASHINGTON e LONDRES

Em mais um capítulo da crise do mercado de crédito americano, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) apresentou ontem um plano emergencial de ajuda para o Bear Stearns, o quinto maior banco de investimentos dos EUA, com receitas de US$16,5 bilhões (dados de abril de 2007). O Fed de Nova York e o JPMorgan Chase concederão financiamento de curto prazo (28 dias), de montante indefinido, para o Bear Stearns. Abalado por sua forte exposição ao setor hipotecário, o banco chocou o mercado ontem ao admitir que houve uma corrida de seus clientes para sacar dinheiro, como forma de se protegerem da possibilidade de sua saúde financeira estar abalada. As ações do banco despencaram mais de 50%, antes de fechar em queda de 47%. O valor de seus papéis caíram para o nível mais baixo em 11 anos.

Foi o primeiro socorro de um agente intermediário pelo Fed desde a Grande Depressão. Há dois dias, o Bear Stearns desmentira rumores sobre uma falta de liquidez, afirmando que era um player saudável, com US$17 bilhões em dinheiro. Mas ontem o tom mudou. O diretor-executivo do banco, Alan Schwartz, disse que a decisão foi tomada para restaurar a confiança, fortalecer a liquidez e permitir a continuidade das operações.

- Nossa posição de liquidez nas últimas 24 horas se deteriorou de forma significativa - disse.

As bolsas americanas fecharam em forte queda após a divulgação do plano, que renovou os temores sobre uma possível recessão dos Estados Unidos. O índice Dow Jones, que durante o dia chegou a recuar 2,5%, encerrou em queda de 1,60%. O Nasdaq retrocedeu 2,26%. A notícia abalou os mercados globais, inclusive a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), que perdeu 0,46%.

Bernanke: propostas para setor de crédito

Uma fonte com conhecimento da situação disse que, sem a intervenção do Fed, o banco não teria recursos suficientes para abrir ontem. O Fed, que está assumindo o risco de crédito das garantias dadas pelo Bear Stearns, emprestou os recursos por meio do JPMorgan, pois seria mais simples realizar a operação dessa forma do que via empréstimo direto. Altos funcionários do Fed se recusaram a revelar o montante de empréstimo. O socorro vem num momento que os prejuízos registrados pelo setor alcançam US$195 bilhões, segundo a agência Bloomberg.

O plano foi aprovado pelo Conselho de Diretores do Fed, por unanimidade, em reunião de emergência na manhã de ontem. Na interpretação dos investidores, é um sinal de que a crise pode estar se espalhando e não está tão próxima do fim, como havia previsto a agência Standard & Poor"s no dia anterior. O cenário arrastou papéis de outras instituições, entre as quais Lehman Brothers (-14,63%), Citigroup (-6,12%) e Merrill Lynch (-5,94%).

Após a divulgação do socorro, o Fed afirmou que "está monitorando de perto os acontecimentos do mercado, e vai continuar a prover liquidez conforme necessário para promover o funcionamento ordenado do sistema financeiro". Na terça-feira, em ação conjunta com outros BCs, o Fed informou uma injeção de recursos de até US$245 bilhões no mercado.

A ajuda ao Bear Stearns ofuscou o resultado do índice de preços ao consumidor nos EUA, que surpreendeu analistas e se manteve estável. O discurso do presidente George Bush, enfatizando que a economia americana é resistente e vai recuperar a força, também ficou em segundo plano.

Ontem mesmo, a Standard & Poor"s rebaixou as classificações de risco do Bear Stearns e disse que pode reduzi-las ainda mais. Para analistas, o JPMorgan poderá acabar controlando o concorrente ou parte de seu capital.

- É uma crise de confiança. Quem imaginaria que o Bear Stearns sofreria uma corrida bancária quando seus balanços estavam relativamente saudáveis? - disse Richard Steinberg, da Steinberg Global Asset Management.

A notícia repercutiu mal nas bolsas de Londres (-1,07%), Frankfurt (-0,75%) e Paris (-0,82%). Os mercados da Ásia, que, por causa do fuso horário, não chegaram a ser afetados pelo Bear Stearns, também caíram. Tóquio, por exemplo, recuou 1,54%, para a pior pontuação em dois anos e meio.

A confiança dos investidores continua a ser abalada com o enfraquecimento do dólar, que atingiu ontem mais um recorde de baixa frente ao euro (US$1,5657) e ficou abaixo de 99 ienes pela primeira vez em mais de 12 anos. O ouro bateu novo recorde, cotado acima de US$1.007. Já o petróleo encerrou em leve queda em Nova York, a US$110,21, após ter superado os US$112 durante o dia. Com o dólar fraco, os investidores buscam outros ativos.

Em meio à crise de crédito, o presidente do Fed, Ben Bernanke, prometeu ontem que serão feitos todos os esforços para amenizar os danos.

- Grande parte dos empréstimos nos últimos anos não foi responsável nem prudente - disse, lembrando que o crédito a tomadores menos confiáveis foi benéfico no passado e será ainda em algum momento.

Bernanke esboçou quatro propostas do Fed: proibir instituições a emprestar para quem não tem capacidade de honrar pagamentos; obrigar as instituições a verificar o perfil dos tomadores; exigir a criação de uma conta em separado para empréstimos de alto valor; e vetar a opção de refinanciamento de empréstimos com juros maiores que os iniciais.

As atenções agora se voltam para a reunião do Fed, na terça-feira. A expectativa é que corte os juros em, pelo menos, 0,5 ponto percentual.