Título: O racismo seletivo de Vargas
Autor: Jansen, Roberta
Fonte: O Globo, 15/03/2008, História, p. 45

Geopolítica determinava leis de restrição à entrada de imigrantes no Brasil.

¿ As políticas de migração foram mais seletivas no governo Vargas. Até então não havia tantas restrições legais aos imigrantes ¿ afirma a historiadora. ¿ E, sim, elas foram discriminatórias.

Lei de cotas de 1934 visava a japoneses

Se num primeiro momento a entrada de imigrantes era vista como positiva, sobretudo num contexto racista de ¿embranquecimento¿ da população de maioria negra, isso mudou com o passar do tempo. Logo depois de assumir o poder, em 1930, Getúlio Vargas baixou um decreto limitando a entrada de estrangeiros no Brasil. O decreto estabelecia ainda que no mínimo dois terços dos postos de trabalho deveriam ser ocupados por brasileiros. A manobra era parte da política nacionalista de Vargas e de sua busca pelo apoio dos trabalhadores.

¿ Com sua política nacionalista, Vargas adotou o discurso de proteção aos trabalhadores ¿ explica a historiadora. ¿ Nessa busca de aproximação com os trabalhadores, um dos argumentos que usou foi é o da presença nociva de estrangeiros, a concorrência do trabalho estrangeiro. Com isso, ele deslocou o foco dos conflitos sociais da época, apresentando a crise, o desemprego como uma conseqüência mais da imigração não controlada, da preferência pelo trabalho estrangeiro, do que dos conflitos que realmente existiam. O estrangeiro passou a ser sinônimo de problema, de movimento subversivo, de quem trouxe o comunismo e o anarquismo e, depois, o imperialismo japonês e o nazismo. Isso justificava as medidas repressivas.

As restrições aos imigrantes se intensificaram a partir da convocação da Assembléia Constituinte de 1933. Na esteira das ideologias que se disseminavam na Europa, os debates travados pelos deputados daqui, segundo a historiadora, tinham claramente um tom nacionalista e até mesmo eugenista. Ainda assim, no que diz respeito à legislação, a influência foi muito mais dos Estados Unidos do que da Alemanha, defende a historiadora.

¿ Apesar de uma série de identificações com as políticas do nazismo e do fascismo, quando discutiam migração o maior exemplo eram os EUA ¿ afirma Endrica. ¿ Já havia um lei sobre o tema lá, era a realidade americana do período. Foram os primeiros a criarem restrições para os imigrantes e, por isso, serviam de exemplo. As restrições aqui alimentaram o racismo que existia, mas sua principal referência era americana.

Em 1934 foi aprovada a lei de cotas, que impunha novos limites, por nacionalidade, à entrada de estrangeiros no Brasil. Segundo a nova legislação, só poderiam fixar residência o equivalente a 2% do fluxo de entrada de cada nacionalidade nos 50 anos anteriores.

Endrica sustenta que, embora parecesse abrangente, a lei tinha como objetivo principal atingir os japoneses, já que os primeiros nipônicos só desembarcaram por aqui em 1908. Segundo a historiadora, a questão, neste caso específico, era muito mais geopolítica do que racial. Visto como um país imperialista, o Japão causava temor. A principal preocupação das autoridades brasileiras era que a colônia aqui instalada atuasse como um braço avançado do país, uma estratégia militar de ocupação. Assim, sustenta, ainda que houvesse preconceito contra ¿a raça japonesa¿, ele não era calcado, como no caso dos negros, num discurso de inferioridade racial biológica.

¿ A análise podia ser negativa, mas não de inferioridade ¿ aponta. ¿ Os japoneses, associados a uma força militar ameaçadora, eram apontados como perigosos, dissimulados, eficientes, organizados.

Com o início do Estado Novo, em 1937, e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, a despeito de sua identificação com muitas das políticas nacionalistas, Vargas se posicionou junto aos Aliados. Com isso, as colônias de estrangeiros egressos dos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão) passaram a ser ainda mais reprimidas. A imprensa e o ensino em língua estrangeira, por exemplo, foram muito restritos, bem como as associações mantidas pelos imigrantes.

Nesse contexto, nomes de ruas e logradouros públicos de origem estrangeira foram trocados por denominações nacionais. Foi criada ainda uma lei que autorizava a demissão sumária de estrangeiros que fossem considerados uma ameaça à segurança nacional. Temia-se a espionagem.

Curiosamente para uma ditadura de caráter nacionalista, os judeus que viviam no Brasil foram menos visados do que alemães, italianos e japoneses. Havia, sim, um caráter anti-semita em muitas das políticas de Vargas, mas, para Endrica, ele não estava ligado exclusivamente à questão racial. A judia Olga Benário, mulher do líder comunista Carlos Prestes e ela mesma uma militante do partido, tornou-se símbolo da perseguição ao ser deportada, grávida, para Alemanha nazista, onde foi morta.

¿ No caso da Olga, judia e comunista, ela foi alvo da repressão e mandada para morte. Mas o que mais pesou foi o fato de ser comunista ¿ sustenta a historiadora. ¿ Muitos dos judeus que viviam aqui tiveram uma liberdade razoável para o período em questão. Enquanto associações alemães e japonesas foram proibidas, a associação judaica manteve um pouco de sua autonomia. Houve perseguição, mas teve um certo limite porque não eram vistos como ameaça política. Por isso não pode ser comparada ao anti-semitismo alemão.

Temor de entrada em massa de judeus

Em relação aos judeus, a preocupação maior do governo era impedir que entrassem em massa no país, fugidos da Europa. Documentos secretos do Itamaraty estudados por Endrica mostram que houve ingerências para se impedir esse fluxo.

¿ Acho que a questão racial esteve sempre presente, mas foi reelaborada. A situação internacional fez com que alguns grupos fossem mais visados, mas, dependendo do caso, isso foi passageiro, se modificou ¿ resume Endrica. ¿ Tanto foi assim que quando passou o período de guerra, de preocupação militar, esses grupos deixaram de ser tão visados. Era diferente do racismo contra a população negra, muito mais forte.