Título: Pressão por mudanças nas MPs
Autor: Braga, Isabel; Vasconcelos, Adriana
Fonte: O Globo, 17/03/2008, O País, p. 3

Relatório preliminar prevê que medidas provisórias não mais trancarão pauta de votações.

Odebate no Congresso em torno de mudanças nas regras de tramitação das medidas provisórias ganha força nas próximas semanas, por determinação dos presidentes das duas Casas e por causa da ameaça da oposição de não votar mais qualquer MP, como parte da estratégia de obstrução. O relatório preliminar sobre o tema que será apresentado esta semana pelo deputado Leonardo Picciani (PMDB-RJ), no entanto, já preocupa o Planalto. O ministro da Articulação Política, José Múcio Monteiro, se reúne hoje com técnicos para analisar o relatório, mas adianta suas restrições a um dos principais pontos: o que estabelece que as MPs não mais trancarão as pautas da Câmara e do Senado.

Múcio alega que se o trancamento de pauta cair, será preciso garantir outros mecanismos que não inviabilizem o uso de MPs como instrumento de governo.

- A Câmara tem razão. Vamos ter de mexer nas regras das MPs. Não se pode legislar apenas por MP. Vamos aproveitar essa crise para consertar. Mas fico preocupado com a idéia de as MPs não trancarem mais a pauta - admitiu Múcio, ontem.

A apresentação e votação do relatório de Picciani na comissão especial está marcada para o dia 3 de abril, mas foi Arlindo Chinaglia (PT-SP), presidente da Câmara, que pediu ao relator um parecer preliminar para antecipar o debate. A expectativa no Congresso é de que, com boa vontade de todos, a emenda poderá ser aprovada nas duas casas até o fim de abril. Uma das estratégias é já negociar com os senadores o texto da emenda constitucional que será aprovada na Câmara, para que não sofra mudança, o que forçaria nova apreciação pelos deputados.

- O desafio é fazer uma proposta que atenda aos anseios do Congresso, de ser dono de sua própria agenda, mas que não impeça o Poder Executivo de fazer uso das MPs - reconhece Picciani.

Garibaldi critica excesso de MPs

O presidente do Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN), também tem incentivado o debate ao fazer severas críticas ao excesso de MPs editadas pelo governo. Para os líderes, há hoje no Congresso disposição de todos os partidos para acabar com a "ditadura das MPs". Com o trancamento de pauta, elas dominam a agenda de votação da Câmara e do Senado.

- A proposta não é ruim, mas tem de incluir uma limitação sobre os assuntos que o governo pode tratar por MP, como temas tributários. Também seria necessário pôr um freio às MPs sobre créditos extraordinários - sugere o líder do PSB no Senado, Renato Casagrande (ES).

Já o líder do Democratas, senador José Agripino (RN), considera fundamental que o texto estabeleça que as MPs só entrem em vigor depois que a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), da Câmara ou do Senado, der o veredito sobre sua constitucionalidade.

- Confio nas conversas dos líderes com os presidentes das duas casas para tratarmos, de fato, da autonomia do Legislativo. Mas tenho dúvidas sobre as intenções do governo (de levar adiante as mudanças). O que vamos defender é que a MP só entre em vigor após o julgamento da constitucionalidade, urgência e relevância - disse Agripino.

Além de acabar com o trancamento da pauta, o pré-relatório de Picciani manterá o prazo de vigência de 120 dias das MPs, sem direito a reedição. Para minimizar a preocupação do governo com a nova regra, Picciani tem uma solução: após um prazo inicial de tramitação na CCJ, ainda a ser decidido, as MPs entrariam como primeiro item da pauta do plenário para serem apreciadas, podendo ser retiradas da preferência se não houver acordo para votação.

E para atender à principal queixa dos senadores, de que têm pouco tempo para discutir o mérito das matérias - as MPs sempre chegam no Senado quando o prazo de caducidade está próximo - a proposta do relator é fixar prazos de tramitação: 60 dias na Câmara, 45 dias no Senado e mais 15 dias para que a Câmara vote eventuais alterações feitas pelos senadores.

- Pretendo fazer um texto bastante enxuto, sem descer a detalhes do rito. Minha idéia é manter os 120 dias de vigência, sem trancamento, dividindo o prazo com o Senado. Eles têm reclamado muito que a Câmara gasta todo o tempo de apreciação. Vou apresentar um pré-relatório na próxima semana para que todos analisem e façam novas sugestões - disse Picciani.

O relator manteve a previsão constitucional de as MPs começarem a tramitar sempre pela Câmara. Mas estuda uma proposta para evitar que a apreciação pelos deputados ultrapasse o prazo de 60 dias. Por esta proposta, se isso acontecer, a MP vai automaticamente para o Senado, retornaria à Câmara, mas a palavra final seria dos senadores.

O relatório acaba com a criação de uma comissão mista para analisar a admissibilidade da MP, que hoje na prática não funciona. A admissibilidade, ou constitucionalidade, será analisada pelas Comissões de Constituição e Justiça de cada Casa. Se elas não votarem em tempo hábil - o prazo ainda será decidido - o projeto segue para o plenário.

A mudança na regras para edição e tramitação das MPs terá que ser feita por meio de emenda constitucional, o que exige quórum de votação elevado (três quintos dos votos, 308 votos na Câmara). A oposição quer aproveitar a insatisfação de parte da base governista e o apoio dos presidentes das duas Casas para tentar garantir a aprovação dessa nova regulamentação.

- A oposição só não pode transformar essa bandeira num novo embate com o governo. Se o tema for discutido com bom senso, se chegarmos a uma proposta factível, que não engesse o governo, é possível que a nova regulamentação das MPs ganhe o apoio de 100% dos líderes partidários, porque é o Congresso que está em xeque - prevê Casagrande.