Título: Genocídio cultural no Tibete
Autor: Scofield JR., Gilberto
Fonte: O Globo, 17/03/2008, O Mundo, p. 21

Dalai Lama diz que não recomendará rendição de manifestantes à China.

Ele criticou o governo de Pequim por ¿usar a força para alcançar a paz¿ ¿ numa alusão aos cerca de 100 mortos e centenas de presos resultantes da repressão chinesa aos protestos de civis e monges budistas tibetanos contra o país ¿ e disse temer mais mortes, caso a China continue com sua política de opressão contra os tibetanos. O Dalai Lama afirmou que a comunidade internacional tem a ¿responsabilidade moral de lembrar à China que o país precisa ser um bom anfitrião das Olimpíadas de Pequim¿, marcadas para agosto.

¿ A nação tibetana está diante de um grave perigo ¿ disse o líder. ¿ Queira o governo da China admitir ou não, há um problema.

Mas ele não defendeu um boicote aos jogos, o que também foi descartado pelo presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Jacques Rogge. Para o chefe do COI, um boicote pune apenas os atletas e não ajuda a resolver a situação atual no Tibete.

¿ O COI divide com o mundo o desejo de por uma solução pacífica para as tensões dos últimos dias na região do Tibete, na China ¿ afirmou a porta-voz do comitê, Giselle Davies.

O Dalai Lama disse ter sentido ¿o mesmo espírito de 1959¿, quando o último grande levante tibetano contra a ocupação chinesa acabou obrigando-o a se exilar no exterior.

¿ A situação se tornou muito, muito tensa. O lado tibetano está determinado. O lado chinês está igualmente determinado. Isso significa: mortes e mais sofrimento.

Prazo para líderes se entregarem acaba hoje

Ontem, o governo da China ampliou sua estratégia de isolar o Tibete do resto da China e do mundo. Pequim intensificou as patrulhas e aumentou o número de prisões em busca dos líderes dos protestos que se espalham pela região desde a semana passada e que voltaram a acontecer durante o fim de semana, especialmente em outras províncias com grande presença de tibetanos entre a população.

Foi o caso de Xiahe, cidade na província de Gansu, onde cerca de quatro mil tibetanos organizaram um protesto nas cercanias do monastério de Labrang, entrando em choque com a polícia chinesa. Protestos ocorreram também no condado de Aba, na província de Sichuan, e no monastério de Rongwo, localizado na cidade de Tongren, em Qinghai.

Milhares de soldados e paramilitares foram enviados para as maiores cidades tibetanas e municípios de outras províncias onde ocorreram manifestações. Blindados fecham as principais estradas que ligam as maiores cidades tibetanas ao resto da China. Soldados foram enviados ainda para a fronteira do Tibete com o Nepal, onde também ocorrem manifestações. Estrangeiros foram instruídos a deixar a capital tibetana e jornalistas não conseguem autorização do governo chinês para entrar na cidade.

O sítio de vídeos online YouTube foi bloqueado e os canais internacionais de notícias tiveram um dia errático, em que hora as notícias eram censuradas, ora iam para o ar sem problemas. Na mídia estatal chinesa, os protestos foram duramente criticados por organizações religiosas sob o comando do Partido Comunista, mas não ganharam o destaque que tiveram no sábado, um dia depois dos conflitos em Lhasa. O Dalai Lama continua a ser acusado de incitar as manifestações.

Nas salas de discussão da internet chinesa, geralmente vigiadas com lupa, a maioria dos chineses defende a ação do governo de Pequim e reage com comentários raivosos de tons nacionalistas, sem qualquer censura:

¿Os ocidentais acham que sabem tudo sobre a China, dizendo que isso e aquilo não é bom para o país. O que a maioria dos ocidentais teve é uma lavagem cerebral sobre a questão tibetana¿, disse um blogueiro. ¿Se os tibetanos se comportarem bem, nós protegemos sua cultura, mas se vocês não se comportarem bem, nós cuidaremos da sua cultura colocando-a num museu! Viva a superioridade da etnia han!¿, disse outro chinês numa sala de bate-papo.

Em Pequim, templos e restaurantes tibetanos funcionam normalmente. O governo da China avisou que os líderes dos protestos devem se entregar à polícia até a meia-noite de hoje (13h em Brasília). No sítio do governo do Tibete na internet são oferecidas recompensas a quem delatar os prováveis culpados.