Título: Despesas médicas sem limite
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 02/05/2009, Política, p. 4

Além de benefícios, como cota de passagens e um plano de saúde que custa R$ 2,3 milhões, deputados têm direito a ressarcimento por gastos em hospitais. A conta extra é de R$ 2 milhões por ano aos cofres públicos

Entrada do serviço médico da casa: apesar do atendimento oferecido, parlamentares preferem rede privada Além de gastar cerca de R$ 2,3 milhões por mês com o plano de saúde dos deputados, a Câmara paga mais R$ 2 milhões por ano por despesas realizadas livremente pelos parlamentares na rede privada. Eles podem escolher hospital, o tipo de cirurgia ou tratamento, e não há limite para gastos. O Hospital Sírio Libanês, o Albert Einstein e o Incor são os mais procurados pelos deputados. Um tratamento feito por um deles durante três anos ficou em R$ 777 mil. Há ainda ressarcimentos de R$ 331 mil, R$ 583 mil e R$ 647 mil por parlamentar. Os gastos somam R$ 7,8 milhões nos últimos quatro anos.

Grande parte dos atendimentos é relativa às áreas de cardiologia e oncologia, geralmente em São Paulo. As 10 maiores despesas somam R$ 3,6 milhões, como mostra levantamento feito no Siafi (sistema que registra os gastos da União) pelo site Contas Abertas, a pedido do Correio. Apenas 233 deputados são filiados ao plano de saúde da Câmara, o Pró-Saúde, mas todos os 513 têm direito a ressarcimento de despesas feitas na rede privada. O custo médio de cada parlamentar associado ao plano é de R$ 800, incluindo dependentes.

O deputado Camilo Cola (PMDB-ES), dono do Grupo Itapemirim, por exemplo, foi submetido a uma cirurgia num hospital privado em abril de 2007. Foi ressarcido pela Câmara em R$ 165 mil. O deputado Inocêncio Oliveira (PR-PE) gastou R$ 64 mil no ano passado numa cirurgia. Ele afirmou, por intermédio da sua assessoria, que precisou recorrer a um hospital especializado.

As despesas estão camufladas no Orçamento da União. A Câmara tem uma previsão de gastos de R$ 3,53 bilhões para este ano. Mas, na burocracia interna, possui duas unidades orçamentárias: uma com a maioria das despesas da Casa (R$ 3,32 bilhões) e outra, chamada de Fundo Rotativo da Câmara dos Deputados, que tem orçamento de R$ 210 milhões. É nessa rubrica que estão registrados todos os ressarcimentos de despesas médico-hospitalares feitos a deputados na rede privada. Essa estratégia dificulta a localização do gasto.

Alto custo A Câmara também paga medicamentos de alto custo. O deputado Fábio Faria (PMN-RN) protocolou um processo para a compra de um remédio que custa R$ 18 mil a dose. O processo já tem a aprovação dos departamentos médico e financeiro. Essa terapia biológica recomenda a aplicação de uma dose a cada dois meses.

O medicamento é oferecido gratuitamente pela Secretaria de Saúde do Distrito Federal e, no momento, está disponível no estoque da Farmácia de Alto Custo, no Hospital de Base. Para obter o remédio, basta preencher um formulário e apresentar o pedido médico. Depois, é só pegar a senha e entrar na fila da farmácia. Desde outubro do ano passado, o deputado já gastou R$ 77 mil com o tratamento, que inclui a compra do remédio, a sua aplicação e o pagamento do médico e do hospital.

Deputados licenciados para ocupar cargos públicos também têm direito aos resssarcimentos. O ministro da Integração Nacional, deputado Geddel Vieria Lima (PMDB-BA), teve um ressarcimento de R$ 2,4 mil em novembro de 2007, quando já estava no ministério. O segundo vice-presidente da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), afirma que a despesa de Geddel é legal. Ele também justifica a despesa feita por Fábio Faria: ¿Se o remédio está na lista do SUS, a Câmara fornece¿. ACM acrescenta que os deputados podem procurar fora por atendimentos não oferecidos pelo Serviço Médico da Casa.

Nem todos encaram com naturalidade o ressarcimento dessas despesas médicas. A deputada Rose de Freitas (PMDB-ES) sofreu uma cirurgia no Sírio Libanês em 2007. Ela afirma que não tinha outra alternativa, porque o plano da Câmara não cobria a despesa necessária. ¿O médico disse: `Você corre risco de vida¿. Então, eu aceitei ser operada. Foi por essas razões que eu usei esse famigerado recurso da Câmara para me tratar¿. Mas ela demonstra incômodo: ¿Eu lutei muito para não usar o recurso da Casa. Estou no sexto mandato e nunca usei para nada. Eu procurei levar a minha vida política honradamente. Espero que seja o meu último mandato. Eu não quero ser confundida com bandido¿.