Título: EUA cortam juro e bolsas reagem
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Fonte: O Globo, 19/03/2008, Economia, p. 21

Lucros de bancos ajudam. Nova York tem maior ganho em 5 anos e Bovespa sobe 3,2%

Após a tempestade da véspera, os mercados mundiais tiveram ontem um dia de forte recuperação. A decisão do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) de cortar os juros em 0,75 ponto percentual e a divulgação de resultados de bancos levaram o índice Dow Jones a fechar em alta de 3,51%, com o maior ganho em pontos (420) dos últimos cinco anos e meio. O Nasdaq avançou 4,19%. As bolsas européias também subiram mais de 3%. No Brasil, a Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) operou com ganhos desde o início do pregão e encerrou os negócios na máxima do dia. O Ibovespa, seu principal índice, subiu 3,20%, aos 61.932 pontos. Em função da entrada de investidores estrangeiros no país, o dólar recuou 1,97%, para R$1,690. O risco-país caiu 8,27%, para 277 pontos centesimais.

Em Wall Street, os indicadores já abriram em alta, impulsionados pelos resultados dos bancos de investimento Lehman Brothers e Goldman Sachs. Apesar de as instituições terem registrado lucros menores, os números ficaram acima do esperado. À tarde, os negócios ganharam força com o corte da taxa básica de juros em 0,75 ponto percentual, para 2,25% ao ano, como parte do esforço do Fed para evitar uma recessão e o colapso financeiro.

EUA têm juro real negativo de 0,3%

O corte, significativo, foi menor do que muitos esperavam: um ponto percentual. Por isso, num primeiro momento, os investidores reagiram mal. O Dow, que ganhava 300 pontos cinco minutos antes do anúncio do Fed, reduziu os ganhos para 200 pontos logo após a divulgação. Em seguida, porém, vingou a interpretação de que a decisão foi acertada, com o controle da situação pelo Fed. A reavaliação acelerou as altas também no Brasil.

- Assim que saiu o corte, a Bovespa chegou a desacelerar. Depois, houve uma percepção de que o Fed havia agido corretamente, sem ficar refém do mercado, que desejava redução maior. Além disso, deixou um bom espaço de manobra para o futuro - explica Eduardo Roche, gerente de análise da Modal Asset.

O sexto corte consecutivo leva a taxa dos EUA ao seu menor patamar desde fevereiro de 2005, e ocorre dois dias após uma série de medidas emergenciais para enfrentar a crise financeira global. O Fed acumula três pontos percentuais em reduções do juro básico desde setembro. O BC americano também cortou ontem - além da redução de emergência já anunciada no domingo - em 0,75 ponto percentual a taxa de redesconto (que afeta os empréstimos aos bancos), para 2,50%.

Segundo o economista Homero Guizzo, da MCM Consultores, já é possível dizer que os EUA têm juro real negativo de 0,3%, considerando projeções de inflação de 2,5% e de juro de 2,19% para os próximos 12 meses:

- Passar de uma situação de juro real baixo para juro negativo não é uma mudança radical. O importante é considerar que o Fed, em condições normais, levando em conta só a inflação e o crescimento esperado, não estaria reduzindo os juros, e sim aumentando. A questão mais importante é avaliar se o juro está baixo o suficiente para garantir que a liquidez volte ao normal.

Em comunicado, o Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês) afirmou que "as perspectivas se debilitaram para a atividade econômica" e que os mercados permanecem "submetidos a tensões consideráveis". Além disso, "o ajuste das condições do crédito, assim como o agravamento da contração no setor imobiliário ameaçam pesar sobre o crescimento durante os próximos trimestres". O Fed destacou que "a incerteza aumenta sobre as perspectivas de inflação", indicando que seguirá vigiando preços.

Ontem, o Departamento de Trabalho dos EUA divulgou que os preços no atacado subiram 0,3%, conforme o esperado. O núcleo do índice (que exclui preços voláteis de energia e alimentos), porém, avançou 0,5%, a maior alta em mais de um ano, contra previsão de 0,2%.

O presidente americano, George W. Bush, disse que continua confiante na saúde da economia do país a longo prazo, apesar do "momento desafiador". Já o secretário do Tesouro dos EUA, Henry Paulson, afirmou que a economia está em forte desaceleração, mas não classificou a situação como recessão.

Na Europa e na Ásia, por causa do horário, os negócios não foram afetados diretamente pelo corte do Fed, mas por sua expectativa. Já as notícias corporativas tiveram forte impacto nas bolsas européias: Londres ganhou 3,54%, Frankfurt avançou 3,41% e Paris, 3,42%. A bolsa de Tóquio e a de Hong Kong subiram 1,5% e 1,4%, respectivamente.

O lucro do Lehman - que chegou a ser apontado como a próxima vítima da crise de crédito, após a venda do Bear Stearns para o JPMorgan Chase - recuou 57% no primeiro trimestre fiscal, para US$489 milhões, ante o US$1,15 bilhão de igual período do ano anterior. Os analistas esperavam cerca de US$430 milhões. Seu lucro foi deprimido pela baixa contábil de US$1,8 bilhão provocada pela crise no mercado de crédito imobiliário. As ações do banco, que perderam 19% de seu valor de mercado na véspera, fecharam ontem em alta de 46,43%.

Papéis do Bear em alta de 22%

Já o Goldman Sachs anunciou que seu ganho caiu pela metade após sofrer mais de US$2,5 bilhões em perdas com empréstimos e outros ativos. O lucro líquido recuou para US$1,51 bilhão no trimestre encerrado em fevereiro. No mesmo período do ano passado, foi de US$3,2 bilhões. Analistas previam resultado de US$1,20 bilhão. As ações subiram 16,27%.

Já os papéis do Bear Stearns, que perderam 84% na segunda-feira, ganharam ontem 22,87%. Durante o pregão, a alta chegou a 45%. Esse incremento triplica a proposta de US$275 milhões (ou US$2 por ação) do plano de compra do banco pelo JPMorgan, num momento em que os operadores apostam na apresentação de uma oferta mais elevada pelo negócio. O Bear sofreu uma crise de liquidez e, para evitar um colapso, o Fed costurou, no domingo, sua venda ao JPMorgan, por um preço bem abaixo de seu valor de mercado.

Juliana Rangel, com agências internacionais