Título: Dalai Lama ameaça renunciar
Autor: Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 19/03/2008, O Mundo, p. 29

Líder espiritual e político do Tibete diz que deixa governo se tibetanos insistirem na violência

Em meio ao agravamento da crise no Tibete e à escalada de protestos contra a repressão chinesa na região, o Dalai Lama, líder espiritual dos budistas tibetanos e chefe de governo do Tibete no exílio, disse ontem que vai renunciar à liderança do governo se os tibetanos insistirem na violência para exigirem a independência em relação a Pequim. O prêmio Nobel da Paz disse que não pode renunciar a seu papel como Dalai Lama, o líder espiritual reencarnado do budismo tibetano, e que ¿a violência é contra a natureza humana¿.

¿ Nós não deveríamos desenvolver sentimentos antichineses. Nós precisamos viver juntos lado a lado. Se a situação fugir do controle, então, minha única opção é a renúncia ¿ disse o líder budista, em meio a rumores de que estudantes tibetanos estariam se preparando para mais confrontos com tropas chinesas.

As declarações do Dalai Lama, apesar de coerentes com seu pensamento religioso, pela segunda vez servem como balde de água fria para a luta dos separatistas tibetanos em relação à China. No ano passado, o líder budista chegou a dizer que não deseja a independência do Tibete, mas sim ¿uma maior autonomia¿ em relação ao governo chinês, o que provocou constrangimento entre os que desejam a separação.

No entanto, horas antes de pedir pelo fim da violência e ameaçar renunciar, o Dalai Lama foi acusado pelo primeiro-ministro da China, Wen Jiabao, de orquestrar as manifestações em que dezenas de pessoas teriam morrido. O premier disse que os seguidores do líder espiritual budista estão tentando incitar a sabotagem aos Jogos Olímpicos de Pequim, que começam em agosto. Jiabao afirmou ainda que o governo chinês está agindo com extrema contenção na sua tentativa de acabar com os protestos contra a repressão chinesa que se espalham há mais de uma semana pelo Tibete e outras províncias chinesas de população tibetana, como Qinghai, Gansu e Sichuan.

Choques mataram 99, dizem exilados

Segundo o premier, há amplos fatos e inúmeras evidências para provar que o quebra-quebra ocorrido sexta-feira passada em Lhasa foi organizado, premeditado e incitado pelo Dalai Lama e seus seguidores, mas o governo da China, até agora, não foi capaz de apresentar uma única evidência disso, tampouco explicar porque as autoridades não se anteciparam às turbulências se tinham em mãos tantos indícios sobre o problema.

¿ O incidente rompeu seriamente a ordem em Lhasa e infligiu perdas de vidas e de propriedades às pessoas ¿ disse Wen. ¿ O governo local está agindo dentro do que estipula a lei e a Constituição e exercitando extrema contenção.

Interrogado por que o governo da China vinha negociando mais autonomia para o Tibete com o Dalai Lama desde 2002, se havia indícios de que o líder religioso tibetano no exílio era, de fato, um perturbador da ordem, Wen Jiabao afirmou que o Dalai Lama mente e quer apenas separar o Tibete da China. Mas o premier disse que o Dalai Lama pode voltar a conversar com Pequim tão logo abra mão ¿de suas idéias separatistas¿.

¿ Pequim vai continuar a desenvolver a região porque o bem-estar econômico ajuda a preservar a cultura de um povo ¿ disse ele, negando que a China pratique um ¿genocídio cultural¿ no Tibete, como denunciado pelo Dalai Lama.

O Dalai Lama se defendeu das acusações do premier:

¿ Não é verdade (sobre a incitação da violência), procuro soluções pacíficas para todas as questões.

O Tibete está praticamente isolado do resto do mundo por forças militares e pelo controle das informações efetuado pelo governo chinês, que proíbe a permanência na região de jornalistas ou turistas estrangeiros. Mesmo ONGs que há anos atuam na região estão tendo dificuldades de comunicação com moradores da região porque tanto a internet quanto as ligações telefônicas estão sendo monitoradas e bloqueadas.

Segundo as autoridades chinesas, 13 pessoas foram mortas por manifestantes em Lhasa desde o dia 10. No entanto, tibetanos que vivem no exílio dizem que ao menos 99 manifestantes foram mortos pelas forças de segurança chinesas durante a repressão aos protestos.

Com agências internacionais