Título: Crise escolhe a próxima vítima
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Fonte: O Globo, 18/03/2008, Economia, p. 19
Bolsas despencam no mundo e analistas apontam para problemas no Lehman Brothers
Marco de uma crise que já está sendo considerada a pior desde a Segunda Guerra Mundial, o dia de ontem foi de fortes perdas nos mercados globais. Os investidores reagiram mal à compra do banco de investimentos Bear Stearns pelo JPMorgan Chase por US$236 milhões - 6,7% de seu valor de mercado na última sexta-feira -, aumentando os temores de que a crise de crédito se espalhe pelo setor financeiro e o colapso seja apenas o primeiro de uma série. As ações do Lehman Brothers, quarto maior do setor, caíram até 48% no dia, por rumores de que será a próxima vítima. Em nota, executivos disseram que o banco tem um caixa sólido. Mesmo assim, suas ações fecharam em queda de 19%. O site do "Wall Street Journal" informava ontem que o DBS, banco de Cingapura, teria decidido encerrar suas relações com o Lehman. E a agência Moody"s confirmou a mudança nas notas do banco, de positivo a estável, por causa, entre outros fatores, de sua exposição ao setor imobiliário.
- Todos estão perguntando: quem é o próximo? Há um Bear Stearns na Europa? Os bancos de investimento podem começar a quebrar? - questionou o estrategista do BNP Paribas, Edmung Shing.
Em Nova York, o Dow Jones, que chegou a cair mais de 1,5%, acabou fechando em ligeira alta, de 0,17%. Nasdaq e S&P 500 recuaram 1,60% e 0,90%, respectivamente. Na Europa, as principais bolsas perderam cerca de 4%. Na Ásia, o recuo superou 5%. O Brasil não ficou imune. O principal indicador da Bolsa de Valores de São Paulo, o Ibovespa, chegou a cair 4,27% e encerrou em queda de 3,19%, aos 60.011 pontos. O dólar acompanhou a venda de ações e a aversão ao risco e subiu 0,64%, para R$1,724. O risco-país subiu 4,50%, para 302 pontos centesimais. Mas aqui ainda não há pânico, dizem analistas.
- Lembra o que acontecia em momentos de crise no Brasil? O dólar disparava de forma assustadora - disse Fausto Vieira, economista da gestora de recursos Rio Bravo.
Empréstimos entre bancos paralisados
O Brasil virou "pagador de contas" para as perdas no exterior, segundo o gerente de análise da Prosper Corretora, André Segadilha. Com isso, as ações mais negociadas tiveram fortes quedas, caso da Vale e da Petrobras. As ações ordinárias (ON, com direito a voto) da Vale caíram 6,06%, e as preferenciais (PN, sem voto), 4,34%. As ONs da estatal caíram 5,31% e as PNs, 3,79%.
Anunciada no domingo, a operação de compra do Bear Stearns - que tem forte exposição no mercado de crédito hipotecário - pelo JPMorgan teve a ajuda emergencial de US$30 bilhões do Federal Reserve (Fed, o banco central americano) para evitar a falência do quinto maior banco de investimentos dos EUA. O Fed também decidiu cortar no domingo a taxa de redesconto (que cobra de empréstimos diretos para bancos) e anunciou outras medidas de liquidez.
As ações do Bear Stearns fecharam ontem em queda de 84%. Já os papéis do JPMorgan subiram mais de 10%, o que impulsionou a virada do Dow Jones no fim do dia. Também pesou positivamente a expectativa de que o Fed reduza hoje a taxa básica de juros, em 3% ao ano, em um ponto percentual, a fim de estimular a economia.
A preocupação com a estabilidade e a solvência de instituições financeiras secou os volumes no mercado de crédito. Ontem, as operações financeiras e os empréstimos interbancários quase foram interrompidos, com os bancos cada vez mais temerosos em negociar uns com os outros. Operadores diziam que esse mercado está discriminatório, dependendo do nome do banco. As taxas publicadas não eram confiáveis, e analistas disseram que qualquer banco que já não tenha reservado recursos para mais de uma semana vai ter dificuldade em levantar dinheiro. "O quase colapso do Bear e a aquisição aceleram a crise de liquidez e a crise do mercado aberto", disse Willem Sels, analista da Dresdner Kleinwort, em nota a clientes.
Na Europa, Londres caiu 3,86%, Frankfurt, 4,18%, e Paris, 3,51%. Os mercados asiáticos despencaram para os piores níveis desde agosto. Tóquio recuou 3,7%, depois de bater no pior patamar desde agosto de 2005. Em Hong Kong, a queda foi de 5,18%.