Título: Doença já faz 1 vítima por minuto na cidade
Autor: Costa, Célia; Pontes, Fernanda
Fonte: O Globo, 21/03/2008, Rio, p. 13

O "AEDES" ATACA: Secretário estadual também reonhece que se trata de epidemia, mas prefeito não muda de idéia

Mais 2.053 casos e uma morte confirmados

Enquanto se torna cada vez mais difícil unir as três esferas de governo no combate à dengue no Rio, o número de registros da doença dobra em 24 horas. Ontem foram confirmados mais 2.053 casos na cidade. Foram 85 por hora, média de 1,4 caso por minuto. A situação é ainda mais grave do que a registrada há três dias, quando eram 45 casos por hora.

Ontem foi confirmada a morte de mais uma criança. Uma adolescente de 14 anos, moradora da Praça Seca, em Jacarepaguá, morreu vítima da doença no Hospital das Clínicas de Jacarepaguá. Com esse novo caso, já são 30 mortes este ano na cidade e 23.555 casos. No estado, conforme balanço divulgado anteontem, são 32.615 casos e 47 mortes.

Enquanto isso, a discussão sobre se é ou não epidemia continua. Ontem, ao inaugurar leitos de UTI pediátrico no Pedro II (Santa Cruz), o secretário estadual de Saúde, Sérgio Côrtes, admitiu que se trata mesmo de uma epidemia, mas evitou polemizar sobre as declarações do prefeito Cesar Maia, que insiste que o quadro mais grave já passou.

- Eu só polemizo com o mosquito - disse Côrtes.

Cesar afirmou ontem que a questão principal é o número de óbitos, e preferiu culpar o governo federal por parte das mortes. Segundo ele, a maioria delas ocorreu no Hospital Cardoso Fontes, administrado pelo governo federal. Ele listou ainda uma série de problemas em outras unidades federais: do Fundão, de Bonsucesso e dos Servidores do Estado. O Ministério da Saúde não respondeu às críticas do prefeito.

- A questão é a letalidade. Todos os esforços da prefeitura em seus hospitais, como treinamento, aumento de leitos e duplicação de jornadas, são para eliminar a letalidade, e o trabalho vem produzindo efeitos positivos - disse Cesar.

O prefeito também não poupou críticas a hospitais estaduais como o Albert Schweitzer (Realengo). O secretário Sérgio Côrtes rebateu:

- Os hospitais estaduais são os únicos que atendem na Zona Oeste, onde não há hospitais municipais nem federais. Aqui é a porta de entrada.

O gabinete de crise criado pelo Ministério da Saúde para enfrentar a epidemia no Rio se reunirá na semana que vem. A intenção é unir o governo federal, o estado e as Forças Armadas. Entre as medidas anunciadas estão a contratação de pessoal em caráter emergencial para reforçar o combate ao Aedes e garantir o atendimento aos doentes.

Mais de 5 horas de espera só para preencher ficha

Ontem o Rio teve mais um dia de hospitais e postos de saúde lotados. No início da tarde cerca de 50 pessoas com sintomas da dengue - algumas com diagnóstico do tipo hemorrágico - aguardavam atendimento no ambulatório do Hospital municipal Paulino Werneck (Ilha do Governador). O tempo de espera apenas para preencher a ficha levava mais de cinco horas. Abatida, a estudante Derika Gomes da Silva, de 12 anos, contou que foi a segunda vez que contraiu a doença em pouco mais de um ano. Maria Helena Couto Bórgia, de 62 anos, chegou a ser internada no fim de semana, quando suas plaquetas caíram para 49 (o normal é entre 140 e 440). Ontem estava acompanhada de filho e um sobrinho, também com sintomas. A situação era a mesma nos hospitais estaduais.

Côrtes informou que 191 leitos de hospitais estaduais já foram destinados exclusivamente para pacientes com dengue. Outros cinco serão abertos na semana que vem. Ele reconheceu que a população tem enfrentado filas nas emergências:

- Isso está acontecendo tanto na rede púbica quanto na particular. A recomendação é esperar para ser atendido.

A família de Daiane Alves Felix de Araújo - que morreu de dengue hemorrágica, aos 13 anos, durante a epidemia de 2002 - vai recorrer da decisão da 17ª Câmara Cível do TJ, que condenou o estado e o município a pagar indenização no valor de R$30 mil, corrigidos monetariamente. O pai, o estofador de móveis Ozinaldo Felix de Araújo acha o valor insuficiente para reparar a perda de uma vida. A indenização pedida inicialmente era de R$500 mil, mais pensão vitalícia de três salários-mínimos.

- A minha vitória tem que servir de exemplo para que outros pais processem o estado. O dinheiro não traz o filho de volta, mas o descaso continua. As autoridades têm que fazer alguma coisa para acabar com a dengue - disse Ozinaldo.

Daiane morreu no Hospital municipal Salgado Filho, um dia depois de ser atendida no PAM de Del Castilho e liberada. Dias depois da morte, a Coordenadoria de Controle de Vetores do município constatou que não existiam focos na casa de Daiane, mas havia vários no quarteirão. Por isso a Justiça entendeu que houve omissão do poder público. A Procuradoria Geral do Município não quis se manifestar sobre a decisão do TJ.