Título: Escritor se despede após marcar dia para morrer
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 21/03/2008, O Mundo, p. 25
Na Holanda, eutanásia cada vez mais é substituída por sedação profunda
ANTUÉRPIA, Bélgica. Depois de anunciar publicamente que havia marcado a data de sua morte e de receber diversos amigos para despedir-se nas últimas semanas, o escritor belga Hugo Claus morreu de forma assistida quarta-feira à noite, utilizando a lei que permite a eutanásia na Bélgica. Claus era um dos maiores escritores da história de seu país e sofria com o mal de Alzheimer.
Segundo relatos de amigos, Claus estava feliz e lúcido em seus últimos dias de vida. O escritor Jef Geeraerts esteve com ele terça-feira e descreveu a conversa:
¿ Durante nossa despedida, rimos muito. Ele contou várias piadas.
Geeraerts disse que o amigo estava ¿muito lúcido¿ durante o encontro entre os dois, com apenas ¿alguns momentos de confusão¿.
A atriz holandesa Sylvia Kristel, ex-mulher de Claus, também o visitou na terça-feira e fez um relato similar.
¿ Ele estava lúcido e alegre. Conversamos sobre o filme que ele havia visto ¿ disse Kristel, que acrescentou que eles não mencionaram a morte de Claus.
O premier interino, Guy Verhofstadt, disse ter ficado ¿aflito¿ com a morte do autor, mas, ao mesmo tempo, aliviado pela maneira como ele se despediu da vida:
¿ Ele nos deixou no momento correto, como uma estrela que ainda brilha, pouco antes de se diluir bruscamente num buraco negro.
O ministro da Cultura da região belga de Flandres, Bert Anciaux, também elogiou a decisão do escritor:
¿ Eu o conhecia suficientemente bem para saber que ele queria morrer com orgulho e dignidade.
A Bélgica foi o segundo país a permitir a eutanásia, em setembro de 2002. O primeiro foi a Holanda, que em abril do mesmo ano retirou as últimas proibições que ainda permaneciam na legislação. Porém, desde 1993 médicos já não podiam ser acusados criminalmente por prestar assistência à morte de pacientes terminais.
Apesar da legalização da eutanásia na Holanda, uma pesquisa divulgada ontem indica que o número de casos tem diminuído no país. Em 2001 ¿ antes da reforma da lei ¿ 2,6% das mortes no país ocorriam através da eutanásia. Em 2005, este número caiu para 1,7%.
Especialistas acham que a prática tem sido substituída por outra: a sedação profunda das pessoas em seus momentos derradeiros. Em 2005, 7,1% das mortes no país ocorreram com as pessoas recebendo altas doses de sedativos, administrados até o óbito dos pacientes. Em 2001, só 5,6% dos holandeses morreram assim. Esta forma de lidar com o fim da vida não é considerado eutanásia, e há indícios de que a prática tem sido usada em países em que é proibido dar fim à vida humana.
¿ A prática de usar sedativos ocorre em outros países, não só na Holanda ¿ diz Judith Rietjens, autora da pesquisa. ¿ É usada na última fase da vida em pessoas com sintomas que não podem ser tratados.