Título: França discute eutanásia
Autor: Berlinck, Deborah
Fonte: O Globo, 21/03/2008, O Mundo, p. 25
Morte de mulher com doença rara que pedira auxílio oficial para morrer choca o país
Amorte de Chantal Sébire, uma professora de 52 anos que lutava pelo direito de morrer para acabar com o sofrimento de estar com o rosto cruelmente desfigurado por um tumor raro, reabriu a controvérsia na França sobre a eutanásia. O tribunal de Dijon ordenou a abertura de uma investigação judicial para saber como ela morreu.
Sébire foi encontrada morta anteontem no seu quarto por uma de suas filhas, dois dias depois de a Justiça ter negado seu pedido para que recebesse uma injeção de uma substância letal. Algumas horas antes de morrer, seu médico, Emmanuel Debost, havia sido recebido no Palácio do Eliseu pelo presidente Nicolas Sarkozy, na presença também de um conselheiro científico do presidente e de um outro médico. O Eliseu propôs que um colégio de profissionais de saúde ¿do mais alto nível¿ estudasse o caso. Alguns dias antes da decisão da Justiça, Sébire declarou:
¿ Eu sei agora onde posso achar o que preciso, e se não conseguir na França, vou conseguir em outro lugar ¿ afirmou ela.
Sébire tinha uma forma extremamente rara de câncer na cavidade nasal. A progressão do tumor distorceu seu rosto, de forma que seus olhos foram afastados um do outro, enquanto o nariz foi alargado e projetado para baixo, o que deixou uma camada de pele rugosa e roxa ocupando a área. Seus olhos incharam, sendo que o esquerdo ficou várias vezes maior, com a região normalmente branca se tornando uma massa de vermelho intenso. Além da deformação, a doença provocava dores excruciantes.
Drama evoca caso de tetraplégico
Resta o mistério sobre sua morte. A luta de Sébire pelo direito de morrer provocou intensos debates. Agora, a polícia investiga sua morte, interrogando os três filhos e o irmão da professora. Ontem à noite, foi realizada uma autópsia no seu corpo.
A autópsia deixou o advogado da vítima, Gilles Antonowicz, indignado. Horas antes da decisão judicial, ele afirmara:
¿ Se fizerem a autópsia será vergonhoso. Se ela tivesse se jogado num canal próximo ao seu apartamento, não haveria investigação.
O drama de Sébire suscitou a mesma emoção na França que o caso de um jovem bombeiro que ficou tetraplégico depois de um acidente. Sua mãe, Marie Humbert, lutou anos pelo direito de eutanásia, até que em 2003 ela resolveu ajudar o filho a morrer. Tanto ela quanto o médico que tratava do bombeiro, e que também fazia campanha pelo direito de morrer, sofreram várias investigações. A eutanásia é legal em alguns países da Europa, como Holanda, Bélgica e Suíça.
Socialistas pedem reforma da lei
O debate, agora, se tornou um problema político. O primeiro-ministro, François Fillon, pediu uma análise da legislação. Já os socialistas no Parlamento anunciaram a criação de um grupo de trabalho para propor uma reforma da lei que permita a eutanásia em casos extremos.
¿O drama de Chantal Sébire nos lembra do quanto nossa legislação é impotente diante de pedidos de doentes incuráveis para terminarem com suas vidas de forma digna¿, disse um comunicado do grupo dos socialistas.
Dois membros do governo se declararam abertamente ontem favoráveis à criação de uma brecha para a eutanásia em casos extremos: Bernard Kouchner, ministro das Relações Exteriores, e Nadine Morano, secretária de Estado para Questões de Família.