Título: Vale tudo?
Autor: Menezes, Maiá
Fonte: O Globo, 22/03/2008, O País, p. 3

Declaração de Crivella abre discussão sobre os temas e o nível da campanha municipal

Osenador Marcelo Crivella, pré-candidato do PRB à Prefeitura do Rio, abriu a temporada de polêmicas pré-eleitorais. Ao afirmar que o deputado federal Fernando Gabeira, seu concorrente pela chapa PV-PPS-PSDB, não agrega o voto chamado "de opinião" porque defende "homem com homem, aborto e maconha", Crivella provocou a discussão em torno dos temas e do nível da campanha municipal , que começa oficialmente no dia 6 de julho.

Gabeira reagiu com ironia, apontando o que para ele é, de fato, uma questão que deve ser debatida entre os candidatos. Afirmou ontem que passou a quinta-feira tentando conseguir leitos em hospitais privados para pessoas com dengue. E que a relação que o aflige é outra:

- Não estou preocupado com esse negócio de homem com homem. Estou preocupado é com o problema do mosquito com o homem - disse o deputado.

Para o candidato a vice na chapa de Gabeira, deputado estadual Luiz Paulo Corrêa da Rocha (PSDB), a declaração de Crivella revela preconceito. Ele defende que temas como casamento entre homossexuais, aborto e regulamentação do trabalho de prostitutas (também defendido por Gabeira) são pertinentes ao Congresso Nacional. E que qualquer tentativa de falar deles na eleição municipal é "desvirtuar o debate".

- Não faz o menor sentido um senador, que o tempo todo quer mostrar à cidade do Rio que não se deve ter preconceito contra ele, usar preconceito contra terceiros - disse o deputado, lembrando que Crivella está tentando se dissociar da Igreja Universal, da qual se diz ex-bispo.

A deputada federal Solange Amaral, pré-candidata à sucessão do prefeito Cesar Maia pelo DEM, lembra que as questões apontadas por Crivella foram defendidas por Gabeira, no Congresso Nacional, mas rejeita o tema na eleição municipal.

- A discussão de valores não ajuda a cidade. O que ajuda a cidade é discutir a competência para administrar, é saber quem tem preparo para cuidar de fazer investimentos, que vai cuidar da vila olímpica - afirmou a parlamentar.

Aliada de Gabeira, a vereadora Andrea Gouvêa Vieira (PSDB) reconhece que temas polêmicos como o aborto e a união civil entre homossexuais fazem parte da agenda do deputado, na Câmara. Não se surpreende com o uso deles por Crivella.

- A questão é que nenhum desses assuntos pode ser resolvido em nível municipal. Essa declaração ajuda a desmistificar a tentativa do bispo de dizer que é ex-bispo e que não representa a Igreja Universal. O discurso mostra que ele é, sim, representante da igreja. E que será um prefeito que não permitirá sequer debate de idéias. Vai trazer o obscurantismo à sociedade - disse a vereadora.

Ex-petista, como Gabeira, o deputado federal Chico Alencar, pré-candidato pelo PSOL, quer que apenas "casamentos partidários" - como o de Crivella com o do PTB e o de Gabeira com o PSDB - sejam alvos de discussão na campanha. Ele defende, no entanto, que a opinião de nenhum candidato seja desqualificada. E que haja um esforço conjunto de todos eles para que o voto de opinião ganhe força.

- O Rio, pela sua tradição política, por ser uma cidade cosmopolita, não comporta campanha apequenada pelo tom moralóide, pelo clientelismo político, que gera o arrebanhamento de votos, a gente quer o voto consciente. Quem votar no Crivella vai votar em um determinado modo de fazer política, em um programa para a cidade - disse o parlamentar.

Ainda à espera da decisão do PMDB, o deputado federal Marcelo Itagiba - que disputa espaço no partido com o outro pré-candidato, o secretário estadual de Esportes Eduardo Paes, e com a corrente que defende a aliança com o DEM - sustenta, como o pré-candidato do PV, que a hora é de centrar o debate em torno da dengue. Ele rejeita a polarização entre Crivella e Gabeira.

- A questão é que eles não cruzam os túneis da cidade; Gabeira não vai para a Zona Oeste e Crivella não chega à Zona Sul - disse o deputado, que vê nas declarações de Crivella, uma tentativa de atrair o eleitor religioso:

- Ele diz isso em cima da tentativa da conquista de dois eleitores fundamentais: o de todas as igrejas pentecostais e o da Igreja Católica. Parece que ele está querendo tirar o manto de bispo. Mas as pessoas têm que ser o que eles são. Ele, ligado à religião e o Gabeira, um neotucano.

Católico, o petista Alessandro Molon - que deverá ser escolhido candidato do partido à sucessão municipal nas prévias do próximo dia 30 - afirma que o eleitor não espera de um futuro prefeito postura agressiva. Ele, que chama Crivella de "bispo", sustenta que o respeito às diferenças deveria ser pré-requisito dos candidatos:

- O que o eleitor espera é respeito a quem pensa diferente e propostas para a cidade - afirma Molon.

A ex-deputada Jandira Feghali, pré-candidata pelo PCdoB, e Eduardo Paes (PMDB) não comentaram as declarações de Crivella. O deputado Paulo Ramos, pré-candidato pelo PDT, não foi localizado.

COLABOROU: Bernardo de la Peña