Título: Letalidade é 20 vezes o tolerável
Autor: Motta, Cláudio; Merola, Ediane
Fonte: O Globo, 25/03/2008, Rio, p. 11

O "AEDES" ATACA

Ministro alerta que dengue deve continuar grave na cidade pelo menos até o fim de abril

Oíndice de letalidade referente aos casos de dengue hemorrágica registrados na cidade do Rio está 20 vezes maior em relação ao percentual tolerado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo a Secretaria municipal de Saúde, este índice está em 20%, enquanto o recomendado pela OMS é até 1%. O ministro da Saúde, José Gomes Temporão, que veio ontem ao Rio participar da montagem do gabinete de crise contra a doença, reconheceu que, devido às condições climáticas favoráveis à proliferação de mosquitos, a situação deve permanecer crítica no Rio pelo menos até o fim de abril. Temporão anunciou medidas para combater o Aedes aegypti e melhorar a qualidade do atendimento aos pacientes nos hospitais. De acordo com o governo estadual, se as medidas de prevenção falharem nos próximos meses, existe o risco de uma nova epidemia em 2009 ou 2010.

De acordo com o balanço da Secretaria municipal de Saúde divulgado ontem, o número de casos de dengue na cidade subiu para 24.772 - um aumento de 1.217 notificações, ou dez casos por hora, desde o boletim anterior, divulgado quinta-feira. O maior crescimento foi em Campo Grande (93 novas notificações), Anil (67) e Cidade de Deus (60). Os bairros com as maiores taxas de infestação da doença em março são Camorim, Anil, Curicica, Bonsucesso, Gardênia Azul, Vargem Pequena, Mangueira, Vargem Grande, Jacaré, Recreio, Cidade Nova e Engenho da Rainha.

Temporão anunciou ontem um pacote de medidas para conter o avanço da dengue e melhorar o atendimento aos doentes. Ainda esta semana, quem for às unidades de saúde receberá um cartão de evolução da doença, no qual serão anotadas as informações sobre o estado do paciente. Hospitais privados também serão orientados para adotar o sistema. Segundo o ministro, isso facilitará o tratamento, uma vez que os médicos saberão o histórico dos usuários. Em fevereiro, o governo estadual passou a distribuir cartões de saúde magnéticos, mas o sistema só funciona nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs).

- No Rio, não temos assistência primária de qualidade. É uma das poucas capitais do Brasil com baixíssima cobertura do programa Saúde da Família. Como o paciente não tem uma equipe que o acompanhe, ele fica perdido, não sabe onde procurar ajuda. Por isso vamos adotar o cartão de evolução da doença - disse o ministro, que comemorou ontem o Dia Mundial de Luta contra a Tuberculose, na Favela da Rocinha, lembrando que a doença está diretamente ligada às condições sanitárias.

Outras cidades também preocupam

Nos próximos dias, os hospitais federais ganharão 119 leitos para casos de dengue, sendo 32 de UTI. Atualmente a rede já disponibiliza 104 leitos para a doença. Para atender a esta demanda, o ministério publicará hoje uma convocação para contratar temporariamente 661 profissionais de saúde.

Segundo Temporão, 300 agentes de saúde também estão em treinamento para operar equipamentos motorizados de fumacê. Além disso, o ministério disponibilizará 15 veículos de maior porte, que também serão usados pela Secretaria estadual de Saúde no serviço de mata-mosquito. Os carros têm capacidade de cobrir de 80 a cem quarteirões por dia. O ministro disse que este recurso não será usado como estratégia permanente. Segundo especialistas, para que o fumacê apresente resultados é importante que os moradores abram as janelas das casas.

Apesar de o Rio apresentar uma situação mais grave, o ministério também está preocupado com a evolução da doença em cidades como Caxias, Nova Iguaçu e São Gonçalo. Segundo Temporão, o atendimento aos pacientes deve ser agilizado para evitar mais mortes:

- O número de óbitos no Rio é completamente fora de qualquer expectativa do que seria razoável, além do fato lamentável de termos perdidos tantas vidas, inclusive de crianças. Temos que melhorar a qualidade, encurtar o tempo e melhorar o trabalho de combate ao vetor. Mas tem que ser de maneira conjunta, integrada e articulada.

Na primeira reunião do gabinete de crise da dengue, realizada ontem com secretários de saúde e representantes do Corpo de Bombeiros e do Ministério da Defesa, o secretário municipal de Saúde, Jacob Kligerman, negou que haja uma epidemia.

- Temos que trabalhar de todas as formas para combater a doença, mas não há uma epidemia. Temos áreas epidêmicas como Jacarepaguá e Irajá - disse o secretário.

O superintendente em Saúde Coletiva da Secretaria estadual de Saúde, Victor Berbara, disse que, além da epidemia na capital, já são registrados surtos em Angra dos Reis e Campos. Amanhã será divulgado o balanço no estado. Berbara diz que é difícil estimar quantas vítimas a epidemia pode fazer, pois tudo dependerá do sucesso das medidas de prevenção ao combate à doença. Mas ele diz que pode ficar entre 50 mil e 60 mil casos.

Anteontem, mais uma criança, de 2 anos, morreu com suspeita de dengue. Jhamile Cristina Olegário Ferreira, que morava em Curicica, deu entrada no Hospital Municipal Lourenço Jorge, na Barra, em 21 de fevereiro e teve alta no dia 26. Segundo o pai dela, Jurandyr Ferreira, dois dias depois a menina começou a evacuar sangue e ele passou a levá-la diariamente à unidade, onde era medicada e liberada. No dia 4 deste mês, Jhamile foi internada no Hospital municipal Raphael de Paula e Souza, em Curicica, e, segundo o pai, na madrugada de sábado passado foi transferida às pressas para o Hospital municipal Infantil Jesus, em Vila Isabel, para receber sangue.

- Fomos numa ambulância do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), mas não havia médicos no carro. Estávamos apenas minha esposa, o motorista, uma auxiliar e eu, que fiquei bombeando oxigênio para a minha filha. Mas quando chegamos à praça do pedágio da Linha Amarela, o oxigênio acabou. Isso agravou o quadro dela - contou o pai.

Jhamile foi sepultada ontem à tarde, no Cemitério do Pechincha. A Secretaria municipal de Saúde ainda não foi informada oficialmente sobre a morte, que ainda depende de exame laboratorial para confirmar a dengue.