Título: Defesa Civil culpa a população pela epidemia
Autor: Antunes, Laura; Brandão, Tulio
Fonte: O Globo, 25/03/2008, Rio, p. 12

O "AEDES" ATACA: Estudantes se antecipam a recomendação da prefeitura e vão para a escola de calça comprida

Coordenador da Defesa Civil diz que 70% das pessoas não fazem a sua parte; já Cabral responsabiliza autoridades

O coronel José Sant"Ana Mateus, coordenador-geral-adjunto do Departamento Geral da Defesa Civil, afirmou ontem que a população tem 70% de culpa pela epidemia de dengue na cidade. A declaração foi dada durante uma operação da Secretaria estadual de Saúde e Defesa Civil de combate à dengue em Curicica. Apesar de admitir que as pessoas, em geral, têm recebido os agentes em casa sem problemas, o coronel disse que, por uma questão cultural, muitas não seguem as orientações para evitar a formação de focos do mosquito Aedes aegypti.

- Ainda há muitas caixas d"água abertas ou com as tampas rachadas, pratinhos de planta com água acumulada e garrafas destampadas com o gargalo para cima nas casas visitadas - afirmou Mateus.

À tarde, porém, ao inaugurar a primeira das três tendas de hidratação, no Retiro dos Artistas, o governador Sérgio Cabral afirmou que as autoridades são as principais culpadas pela situação da dengue, que chamou de grave:

- A população é a menos culpada. Nós, as autoridades, somos as principais culpadas. Todos erramos. Todos sabem o peso de cada responsabilidade.

Cabral afirmou que o Rio enfrenta uma epidemia. Numa crítica direta à prefeitura, disse que faltou prevenção:

- O trabalho de prevenção é tipicamente municipal, mas, no momento em que estamos enfrentando uma crise, não temos tempo de discutir de quem é a atribuição. O estado entra. Vamos enfrentar. Não é normal o estado abrir tendas para hidratação, mas é uma emergência, uma epidemia que a cidade enfrenta. Normal é o tratamento preventivo durante o ano todo. Faltou prevenção.

Na operação realizada em Curicica, um dos bairros mais afetados pela doença, 500 homens do Corpo de Bombeiros e 57 agentes de saúde se dividiram em cinco equipes para percorrer a região em busca de focos de mosquito nas casas. As que não foram visitadas tiveram os endereços anotados para que uma outra tentativa seja feita.

Aluno vai de calça e ainda passa repelente nas pernas

Entre as casas que os agentes não conseguiram entrar está uma na Rua do Melão lote 6, quadra 62. Segundo os bombeiros, a casa tem uma piscina com água verde.

Já a casa do pedreiro Nelson da Silva, foi usada como exemplo para reforçar a opinião do coronel Mateus. A equipe de agentes do estado foi recebida sem problemas. A caixa d"água, porém, estava com a tampa rachada.

Enquanto as autoridades buscam culpados, estudantes começam a se prevenir por conta própria. No Colégio Dínamis, em Botafogo, que mantém um grupo de alunos como monitores para tirar dúvidas sobre o mosquito e a doença, os estudantes do 5º ano Pedro Pires, de 9 anos, Antônio Magalhães e Maria Pedrosa, ambos de 10, foram à aula ontem de calça comprida, apesar do calor.

- A dengue virou um monstro para a gente. Vim de calça e ainda passei repelente nas pernas. Ando secando até o box do banheiro lá de casa - disse Pedro.

Apesar da preocupação, a maior parte dos alunos ainda preferiu usar bermuda. A Secretaria municipal de Saúde informou ter iniciado ontem a campanha recomendando que crianças e adolescentes nas escolas do Rio usem calças, meias e sapatos para se prevenir da picada do mosquito. As quatro escolas consultadas pelo GLOBO na Zona Sul, no entanto, ainda não tinham recebido qualquer material informativo da prefeitura.