Título: Ajuste voluntário no crédito
Autor: Beck, Martha; Oliveira, Eliane
Fonte: O Globo, 25/03/2008, Economia, p. 19

Após reações negativas, Mantega diz que redução de prazo de financiamento não será compulsória

Diante da repercussão negativa do empresariado a respeito de medidas para restringir o crédito no país, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, amenizou o discurso de freio nos financiamentos e afirmou que não serão reduzidos compulsoriamente os prazos máximos de parcelamento. Uma das preocupações de Mantega é justamente a indústria automobilística, que está vendendo em até 99 meses.

Com investimento recorde este ano, de US$4,9 bilhões, voltado principalmente para o mercado interno, a indústria automobilística condenou ontem qualquer restrição aos financiamentos de automóveis. O presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Jackson Schneider teve ontem uma conversa com Mantega, pelo telefone, antes de o ministro convocar uma entrevista. Schneider disse que a conversa foi "serena, conseqüente e explicativa".

- Ele (Mantega) afirmou que qualquer decisão que fosse tomada seria discutida antes, com serenidade, com o setor - afirmou Schneider.

Mantega indicou, na reunião de coordenação política de ontem, que o caminho para estancar a pressão inflacionária deverá ser um pouco diferente. Por iniciativa própria, explicou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais ministros que a questão do crédito "não tem um caráter drástico, de pé no freio", porque a taxa de crédito em relação ao PIB no Brasil ainda é, comparativamente, baixa. Mas afirmou: "É uma questão de fazer alguns ajustes, de sintonia fina", disse, segundo um dos participantes do encontro.

Diálogo com bancos para reduzir prazos

Nos bastidores, a equipe econômica articula "ajustes voluntários" por parte de bancos privados e financeiras de montadoras e não descarta a imposição de restrições às instituições federais como forma de frear o consumo, uma ameaça real à inflação e que traz de volta o fantasma da alta de juros.

A estratégia será o diálogo com o setor financeiro, no sentido de encurtar prazos de financiamento. Um dos principais argumentos de persuasão será que, sem ajuda adicional, ficará aberto o espaço para o Banco Central (BC) voltar a aumentar a taxa Selic - o que frearia mais o consumo à frente, e na marra. Mantega vai discutir o assunto com os bancos esta semana, provavelmente amanhã.

Ao fim da reunião no Palácio do Planalto, o ministro informou aos participantes que daria uma entrevista para esclarecer as intenções da Fazenda. À tarde, disse à imprensa que se preocupa com a qualidade do crédito concedido e com a extensão dos prazos de pagamento - mas não a ponto de restringi-lo.

- Eu expus (em conversas com o setor automotivo) uma preocupação de que prazos muito longos poderiam ser evitados. Mas é uma preocupação minha. Se o setor financeiro me disser que tem segurança nesses créditos, que tem capital, ficarei mais seguro - disse Mantega. - Só falei que 80 ou 90 (meses) talvez fosse um número excessivo de prestações. Mas não há medida (de restrição do crédito) em vista. Apenas há uma preocupação para que esse processo continue se desenvolvendo com equilíbrio.

O ministro disse que os financiamentos não ficarão mais caros por causa das preocupações com o excesso de crédito:

- Não deve mudar o comportamento do consumidor. Não vamos limitar o número de prestações. Apenas vamos saber se os bancos estão agindo de forma responsável na liberação do crédito. Não deve haver preocupação. O consumidor vai continuar tendo oportunidade de comprar bens de consumo duráveis, televisão, geladeira, automóveis.

Espera por veículo chega a 120 dias

Segundo o presidente da Anfavea, os investimentos previstos no setor são uma resposta à alta da demanda interna - que deve crescer, segundo previsões da entidade, mais 17,5% este ano. Em 2007, o Brasil foi o sétimo maior produtor de carros do mundo (2,971 milhões de unidades) e o oitavo maior consumidor (2,463 milhões).

O consumidor já enfrenta dificuldades na compra de alguns modelos. Quem pretende adquirir um Palio (da Fiat), por exemplo, só encontrará para pronta entrega o modelo básico. O acréscimo de itens opcionais pode levar a espera para 45 dias. O novo Ka, lançado pela Ford em dezembro, pode demorar até 120 dias para chegar às mãos do consumidor.

Números do setor mostram que mais de 70% das vendas são realizadas com financiamento. O saldo das carteiras para CDC e leasing chegou a R$110,7 bilhões em 2007, com alta de 43,5% no ano. Considerando só o financiamento direto ao consumidor, o valor foi de R$81,6 bilhões, com alta de 28,6%. O prazo máximo de financiamento, que foi de 72 meses em 2006, chegou ao pico de 84 meses em 2007. Já o plano médio para financiamento em 2007 atingiu 42 meses, contra 39 meses em 2006.

Antes da entrevista de Mantega, o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras (Anef), Luiz Montenegro, distribuiu nota dizendo que qualquer restrição causaria "forte retração no volume de negócios". Quem também saiu a público para criticar a proposta foi o presidente da Federação do Comércio de São Paulo, Abram Szajman, para quem os efeitos de uma restrição seriam "catastróficos para este momento econômico favorável".