Título: Para juristas, 80% das MPs são dispensáveis
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 20/03/2008, O País, p. 5
Especialistas consideram que medidas provisórias não são urgentes e atendem a interesses políticos e econômicos
SÃO PAULO. O governo teria condições de administrar o país sem medidas provisórias se decidisse não usar esse instrumento como forma de atender a interesses de diversos setores em troca de apoio político, afirmam analistas jurídicos ouvidos pelo GLOBO. A declaração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que é "humanamente impossível" governar sem medidas provisórias foi rechaçada por juristas com base na informação, levantada por eles, de que apenas 20% das MPs atenderiam ao caráter de "relevância e urgência", enquanto o restante serviria apenas para agilizar projetos favoráveis aos setores sindicais, empresariais e políticos.
- Para governar de fato, o presidente não precisaria de pelo menos 80% das MPs que são propostas só para atender interesses dos políticos, das empresas e dos sindicatos. O que tem de MP com caráter de urgência e relevância é bem menos, e para atender esse contingente o governo pode viver sem as MPs - diz o jurista Carlos Ari Sunderfeld, para quem, no Brasil, a relação entre Executivo e Legislativo difere de países que adotam instrumento semelhante.
Constituição da Itália inspirou legislação brasileira
O excesso de medidas provisórias na Espanha, por exemplo, criou uma crise naquele país, em 1995, quando cerca de 40 delas foram propostas. O governo italiano, país cujo artigo 70 da Constituição inspirou a legislação brasileira, também tem evitado a cascata de MPs, para não estimular constrangimentos entre governo e Legislativo.
- O excesso de medidas provisórias propostas pelo governo desmoraliza o Legislativo. A Espanha e a Itália utilizam desse instrumento, mas como são governos de regime parlamentar, os riscos são menos danosos à democracia - diz o jurista Ives Gandra Martins.
Segundo ele, como nesses países o gabinete do governo sai do Parlamento, a relação entre os poderes é mais respeitosa.
- Nesses países, quando uma MP não é aprovada, o gabinete cai, já que equivale a um voto de desconfiança.
O jurista Saulo Ramos defende uma legislação de emergência, mas se a proposta for enviado pelo governo sem urgência ou relevância, deveria entrar como um projeto de lei, e não MP: - Quando se propõem dez medidas provisórias, isso impede o Congresso de funcionar. E estamos falando de um Congresso que não tem tendência de funcionar bem.
Já o jurista JJ Calmon de Passos concordou com Lula. Segundo ele, a questão das MPs é um fenômeno universal em todas as constituições do mundo:
- As medidas provisórias são necessárias porque o Congresso brasileiro não tem a agilidade do mundo moderno.