Título: Hage: caso dos cartões é escandalização do nada
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 20/03/2008, O País, p. 8
Ministros defendem compra de tapioca e mesa de sinuca; oposição ameaça abandonar a CPI do Cartão Corporativo
BRASÍLIA. Instalada sob clima de desconfiança, a CPI do Cartão Corporativo corre o risco de ser enterrada na próxima semana, com menos de 20 dias de existência. Líderes do PSDB e do DEM já articulam um acordo para abandonar os trabalhos caso a maioria governista rejeite, quarta-feira, os requerimentos de acesso aos gastos sigilosos da Presidência da República. A resistência dos governistas à abertura de novas investigações ganhou força depois que os ministros Jorge Hage (Controladoria Geral da União) e Paulo Bernardo (Planejamento) desqualificaram as denúncias de uso indevido dos cartões em depoimentos à CPI, ontem.
Irritada com as manobras da maioria governista para impedir as investigações, a presidente da CPI, senadora Marisa Serrano (PSDB-MS), admitiu ontem que pode deixar o posto.
- Essa CPI vai continuar se tivermos as informações necessárias para apurar. Se o governo acha que não temos legitimidade para investigar, acho que é hora de parar. Para investigar os documentos que já estão aí, os técnicos do Congresso são mais competentes - afirmou.
A ameaça de deixar a CPI já havia sido feita pelo senador Álvaro Dias (PSDB-PR), mas ontem virou estratégia conjunta, após conversas de caciques da oposição com a presidente Marisa Serrano.
No depoimento, Hage criticou a cobertura do escândalo na imprensa, enquanto seus assessores distribuíam uma lista de notícias que ele classificou de improcedentes após auditorias na CGU:
- O folclórico e o pitoresco naturalmente chamam atenção no primeiro momento, e faz-se toda aquela farra, a euforia da escandalização do nada.
Hage saiu em defesa de gastos polêmicos, como os R$1.400 pagos pelo Ministério das Comunicações para consertar uma mesa de sinuca, embora o conserto tenha sido negado pelo próprio ministério. Ele disse ainda que o ministro do Esporte, Orlando Silva, teria sido vítima de preconceito no caso da compra de uma tapioca por R$8 num quiosque de Brasília.
- Se tivesse sido um sanduíche do McDonald"s, a compra de um hambúrguer, talvez não tivesse tanto apelo. Alguém ia denunciar? - questionou Hage, que é baiano, assim como o ministro.
O argumento empolgou os deputados petistas Paulo Teixeira (SP) e Nilson Mourão (AC), que chamaram Hage de "Mike Tyson no enfrentamento da corrupção" e "demolidor da CPI". O deputado Carlos Sampaio (PSDB-SP) questionou a alegação de preconceito, lembrando que a polêmica foi alimentada por Paulo Bernardo.
- Se preconceito houve, foi do próprio ministro, que disse que essa seria a CPI da Tapioca. Ele é que usou jocosamente o termo - afirmou.
Ameaça velada de levantar contas de FH
Paulo Bernardo reconheceu que não acreditava mesmo que a compra da tapioca motivaria uma CPI. Os ministros também fizeram ameaças veladas de apoiar as investigações de gastos com contas do tipo B, que eram mais usadas no governo Fernando Henrique e vêm sendo substituídas pelos cartões na gestão petista.
Hage afirmou que a CGU já está levantando esse tipo de despesas desde 1998. Paulo Bernardo disse estar certo de que essa nova frente, que tem sido puxada pelos governistas para pressionar a oposição, revelará irregularidades mais graves do que as apuradas com os cartões:
- Tudo o que está sendo dito nessa CPI vem de informações do Portal da Transparência. Na hora em que começarmos a mexer em contas do tipo B, eu sei, ou melhor, prevejo que vamos encontrar coisas muito maiores.
O ministro Jorge Félix, do Gabinete de Segurança Institucional, informou que não atenderá ao convite para falar à CPI na terça-feira. O depoimento havia sido marcado pelo relator, Luiz Sérgio (PT-RJ), para que ele defendesse mais uma vez o sigilo dos gastos presidenciais.