Título: Agora é gabinete de crise
Autor: Webber, Demétrio; Costa, Célia
Fonte: O Globo, 20/03/2008, Rio, p. 12

"AEDES" ATACA

Ministério da Saúde critica ação da prefeitura e decide tratar dengue como epidemia

Somente depois de cinco meses de surtos e a constatação de especialistas de que o Rio enfrenta uma epidemia, o Ministério da Saúde decidiu tratar a dengue como uma situação crítica. O ministro José Gomes Temporão anunciou ontem a criação de um gabinete de crise para conter o avanço da dengue no estado. O esforço deverá mobilizar, além do ministério, o governo do estado e as Forças Armadas. Em nota, Temporão disse que alertou a Prefeitura do Rio, em outubro, sobre o risco de uma epidemia. No entanto, apesar do avanço da doença, o prefeito Cesar Maia continua negando que a cidade enfrente uma epidemia. Em 24 horas, foram registrados mais 1.233 novos casos - já são 51 a cada hora. O total chega a 21.502 pessoas vítimas do mosquito Aedes aegypti e 29 mortes em decorrência da doença na cidade.

A Secretaria estadual de Saúde informou que a doença já matou 47 pessoas em todo o estado, somente este ano. Segundo relatório, entre janeiro e março, já foram notificados 32.615 casos no estado.

Temporão voltou a criticar o baixo número de equipes do Programa Saúde da Família na capital. Na segunda-feira, representantes do gabinete de crise, da prefeitura e dos municípios da Baixada devem se reunir com o objetivo de combater o Aedes e garantir o atendimento aos doentes.

"Já em outubro do ano passado, o Ministério da Saúde alertou a população e governos, em especial do Rio de Janeiro, sobre a possibilidade de uma epidemia de dengue neste verão. No mês seguinte, um levantamento da infestação dos mosquitos transmissores na cidade mostrou que ações mais objetivas deveriam ser realizadas pelo gestor local, pois o quadro era alarmante", diz a nota do ministério.

Temporão destacou que, enquanto os casos de dengue caíram 40% no restante do país este ano, na capital fluminense o número cresceu mais de 100% em relação ao mesmo período de 2007. E atribuiu a responsabilidade por isso à baixa cobertura das equipes do programa municipal saúde da família. "O Ministério da Saúde considera que um dos problemas enfrentados no Rio de Janeiro é a baixa implementação das equipes de saúde da família e a desestruturação da atenção básica. Atualmente, as equipes de saúde da família cobrem apenas 8% da população do município. O ministério reafirma que o fortalecimento da atenção básica é essencial para as ações de prevenção e um instrumento fundamental para se evitar as mortes relacionadas à dengue".

SinMed entra com notícia-crime no MP

O gabinete de crise terá a participação dos secretários de Vigilância em Saúde, Gerson Penna, e de Atenção à Saúde, José Noronha. Eles ficarão responsáveis por acompanhar a evolução da situação da doença junto com o governo do estado. Na segunda-feira, eles esperam ter pronto um levantamento das necessidades de contratação de pessoal, para trabalhar em caráter emergencial, além do mapeamento das exigências na atenção à saúde da população em risco.

Em outra frente, o Sindicato dos Médicos do Rio (SinMed) apresentará uma notícia-crime aos Ministérios Públicos estadual e federal. O objetivo é responsabilizar as três esferas do governo pela epidemia. O presidente do sindicato, Jorge Darze, disse que se comete hoje um crime sanitário, ou seja, o poder público contribui para agravar a crise na saúde e põe em risco a população. Segundo Darze, a prefeitura não combate de forma eficaz a proliferação do mosquito Aedes Aegypti e a doença. Além disso, não foi verificado previamente se os hospitais municipais estavam capacitados para receber tantos pacientes. Para Darze, o governo do estado também não exerce o poder de regular e fiscalizar os municípios, enquanto o governo federal deveria monitorar os investimentos com a verba da União.

O Cremerj, por sua vez, convocará os MPs e as Defensorias Públicas estaduais e federais para um ato público na próxima quarta-feira. O conselho exigirá um plano mais amplo de contratação de médicos e a abertura de leitos nas redes municipal, estadual e federal. As atribuições e competências de cada uma das três esferas de governo estão especificadas na Portaria 1.399/1999 e fazem parte do Programa Nacional de Controle da Dengue. Lá, estão listadas uma série de responsabilidades dos municípios, estados e União. À prefeitura, por exemplo, cabe a execução direta das ações de combate ao Aedes. Ao estado, compete estabelecer o plano estadual de combate ao vetor e fazer a articulação entre os municípios e também avaliar os programas de combate. O governo federal é o principal órgão de fomento. É ele quem repassa as verbas, larvicidas, veículos e outros equipamentos.

Numa decisão inédita, a 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça deu ganho de causa ontem à família de uma menina de 13 anos que morreu de dengue na epidemia de 2002. A Prefeitura do Rio e o estado foram condenados a pagar R$30 mil de indenização. A Justiça entendeu que as autoridades foram omissas no combate à doença. A família da vítima tinha sido derrotada na decisão em primeira instância e recorreu. Agora, município e estado também podem apresentar novos recursos.